Nos protestos de rua em 2014, havia cartazes mordazes: “Queremos hospitais padrão Fifa”. Agora, quando cartolas globais vão para a cadeia acusados de embolsar ilegalmente uma dinheirama do tamanho do mundo, a piada volta às ruas. O hospital padrão Fifa virou corrupção “padrão Fifa”.
[su_quote]Trata-se de um padrão que parece made in Brazil – e só mesmo uma polícia made in USA para desbaratá-lo[/su_quote]
Seria mais cômico se não fosse tão trágico, especialmente para nós, brasileiros. Dada a nacionalidade de alguns dos envolvidíssimos, presos ou não, e considerada a liderança histórica dos cartolas auriverdes na condução da entidade, o tal padrão Fifa de bandalheira parece genuinamente made in Brazil – e só mesmo uma polícia made in USA pode desbaratá-lo. Isso também é uma piada pronta (e sem graça), mas, agora, piada é o que menos ajuda.
A derrocada dos donos do ludopédio, mais que uma palhaçada, é um inventário geral das condutas pelas quais os personagens acusados de corrupção tentam escapar de suas responsabilidades. Observando esse caso, vemos como todo corrupto(r), nacional ou internacional, segue um rígido protocolo de conduta na hora de se explicar (ou de se esquivar). Mais que o “padrão Fifa”, o que existe aí é um padrão universal da gatunagem. Nós, que somos um povo pós-graduado em futebol e corrupção, devemos examinar mais de perto esse padrão. Se não queremos seguir sendo tapeados, devemos aprender com ele.
No espírito de contribuir com esse serviço de utilidade pública, esta coluna apresenta quatro dos mandamentos do padrão maligno. Vamos lá.
1. Antes de tudo, ponha a culpa na imprensa. “Você não pode imaginar o que é ser acusado por parte da mídia tendenciosa que diz que sou um homem mau”, declarou Joseph Blatter, poucas horas antes de se reeleger pela quinta vez para presidir a Fifa. Aí, na terça-feira, dia 2, ele renunciou, surpreendendo os analistas mais afiados. Ninguém previa que o suíço que começou sua ascensão como pupilo de João Havelange largaria o osso tão depressa. Ninguém esperava que, mesmo tendo ido tão tarde, ele se fosse tão cedo. Mas a culpa é da imprensa, claro.
2. Negar com indignação sempre funciona para desacreditar as evidências. A opinião pública, especialmente na indústria do entretenimento, da qual faz parte esse ramo de negócios chamado futebol, é volúvel como o desejo sem objeto. A plateia acredita mais na raiva encenada do que em prova material. Portanto, negue. Negue com exasperação. Há coisa de dez anos, estava no ar um humorístico de TV, o Casseta & planeta, da Globo, em que um certo Wanderney, frequentador sudorento de uma sauna gay, adorava negar. Quando algum conhecido o encontrava de torso nu e toalhinha branca na cintura, sentado bem junto a outros corpos que transpiravam na sauna seca, ele brandia o indicador ereto: “Eu não sou gay! Estou aqui, mas eu não sou gay!”. O discurso de Wanderney é o modelo do corrupto(r).
3. Lembre-se: a sua entidade é sempre uma vítima. Culpados são os outros. Admitamos, apenas para efeitos de argumentação, que Wanderney não fosse gay. De verdade, na boa, a possibilidade existe. O Casseta & planeta jamais exibiu registros carnais da homossexualidade de seu eloquente personagem. Só o que havia eram indícios (muito quentes, mas só indícios). Na mesma linha de raciocínio crédulo, admitamos que os cartolas presos sejam inocentes, todos eles. E admitamos, por fim, que Blatter não saiba de nada e nunca tenha sabido de coisa alguma. Pode ser. O interessante é que ele tenha se apressado em declarar que a Fifa não está sob acusação. Quem está sendo acusado, diz ele, são indivíduos. Observe que toda empresa (pública ou privada), partido ou governo em que surgem sinais exteriores de podridão interior, a mesma desculpa vem a público. Wanderney também poderia alegar que a sauna não é gay. Gays são apenas os frequentadores.
4. Para esvaziar uma denúncia de corrupção, nada melhor que outra denúncia de corrupção. A melhor coisa que poderia ter acontecido para esse pessoal que está aí acusado de corrupção em escândalos domésticos é o desmoronamento da Fifa. Eles sabem muito bem que a sanha justiceira da massa é um gramado exíguo, que não tem lugar para muita gente. Entrando os cartolas, a tendência é que os políticos, os altos dirigentes de estatais e seus corruptores saiam de cena. Como a Fifa e a CBF são a bola da vez, os malfeitos da Petrobras, do cartel do metrô e outros vão correr para o vestiário, na esperança de ser esquecidos. Melhor ainda: se der, alguns dos implicados até vão achar um jeito de voltar a campo no papel de moralizador do futebol. Vai ser outra piada, claro, mas não a menospreze.
Fonte: Época, 16/06/2015.
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