Sempre é bom tomar cuidado quando a situação está preta e lhe dizem que “alguém precisa fazer alguma coisa” a respeito — é sinal de que não existe a menor ideia prática sobre o que deve ser feito, nem a vontade real de resolver problema algum. Quando a conversa sai do mundo das palavras para entrar no mundo dos fatos, verifica-se que “alguém” quer dizer “ninguém”, e que “alguma coisa” quer dizer “nada”. Ou seja: vai continuar tudo igual, e quem cobrou ação imediata, corajosa e eficiente dos “responsáveis” não se considera responsável por coisa nenhuma, dispensa-se da obrigação de oferecer qualquer sugestão útil e fica achando que fez a sua parte no esforço universal pela vitória do bem. Neste instante, justamente, estamos vivendo um dos grandes momentos na longa história nacional do “alguém precisa fazer alguma coisa”.
[su_quote]A proposta do imposto sobre fortunas é um monumento na arte de vender ilusões[/su_quote]
O Tesouro da República está no bico do corvo, porque o governo gasta muito mais do que tem — e, diante da bancarrota anunciada, a única coisa que pode realmente fazer, e tem de fazer já, é gastar menos. Mas o partido que está no governo é contra o que o governo propõe para equilibrar o caixa; não aceita a redução de despesas, que considera uma atitude “de direita”. E a insolvência do Erário — como é que fica? “Alguém precisa fazer alguma coisa”, diz o PT. Fazer o quê? Criar um imposto sobre grandes fortunas, propõem as lideranças do partido, e tirar daí o dinheiro que está faltando para fugir da falência.
Eis aí uma ideia praticamente perfeita em matéria de sugerir o nada. Em primeiro lugar, o PT, em doze anos e meio de governo, não apresentou um único projeto para taxar fortunas; se acreditasse mesmo nisso, já teria feito “alguma coisa”. Só agora, na hora do sufoco, quer que se faça o que nunca quis fazer — aliás, tanto quanto se saiba, quem propôs imposto sobre fortuna neste país, lá no tempo em que os bichos falavam, foi o então senador Fernando Henrique. O PT sabe muito bem, além disso, que não há o menor risco de que o novo imposto se transforme em realidade no futuro visível, quando se leva em conta que precisa ser aprovado pelo Congresso e que não existe, no momento, sequer um pedaço de papel a ser discutido. É certo, enfim, que um imposto sobre fortunas, por mais agressivo que seus autores o imaginem, seria absolutamente incapaz de gerar dinheiro suficiente para ajudar na solução da despesa pública, um King Kong que tributo algum vai incomodar. A única realidade, em toda essa história, é a demagogia em estado puro da proposta — que tem o atrativo extra, para seus defensores, de apresentar-se como uma espécie de cruza entre “ajuste fiscal” e “redução da desigualdade”, ao dizer que vai tirar só dos ricos, e não de todos, o dinheiro necessário para lidar com o rombo. O imposto sobre grandes fortunas seria o aplicativo milagroso para resolver as duas questões ao mesmo tempo — e uma bela oportunidade de propaganda para os marqueteiros do governo. Quando se trata de tirar de Paulo para dar a Pedro, sempre se pode contar com o aplauso de Pedro.
A proposta do imposto sobre fortunas é um monumento na arte de vender ilusões. Parece lindo: o que pode haver de mais justo do que confiscar dinheiro dos ricos? Mas a vida real, essa notória desmancha-prazeres, mostra que a taxação de riquezas não serve nem para resolver déficits do Erário nem para distribuir renda. No caso do Brasil de hoje, está na cara que o maior causador de despesas é o pagamento dos juros da dívida pública, que só existe porque o governo gasta demais — em 2015 o Tesouro Nacional vai torrar 75 bilhões de reais com isso, mais do que em qualquer outra coisa. Que diferença um imposto sobre fortunas poderia fazer numa cordilheira desse tamanho? Na França, pátria-mãe de todos os esforços para taxar riquezas, e onde os ricos vêm fazendo suas fortunas desde os tempos do bom rei São Luís, a diferença é nenhuma. O “imposto da solidariedade”, marca-fantasia que lhe foi dada pelo governo socialista, atinge 300000 franceses com patrimônio superior a 1,3 milhão de euros, o equivalente a cerca de 4,5 milhões de reais, entrando aí imóveis, inclusive o de moradia, automóveis e até os móveis da casa. Com tudo isso, rendeu 5 bilhões de euros em 2014 — um trocado, diante do tamanho do gasto público na França. No Brasil não daria para pagar nem três meses de juros da dívida.
O diabo não são os ricos, é a dívida — por sinal, ela só beneficia os próprios ricos, que têm dinheiro de sobra para emprestar ao governo. Mas aqui se considera que gasto público é avanço social; cortar despesas é proibido. Os ricos agradecem.
Fonte: Veja, 13/06/2015.
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