Ao que parece, o ajuste fiscal em curso não será capaz de produzir a anunciada meta de 1,2% de superávit primário.
As medidas tomadas no âmbito do PIS/Cofins e do IPI se justificariam até mesmo sem a necessidade de ajuste fiscal. Afinal, elas corrigem incidências tributárias que privilegiavam as importações vis-à-vis a produção doméstica ou eliminam desarrazoados benefícios fiscais setoriais.
Caso sejam revistos alguns excessos pontuais, é bem fundamentada a pretensão de rever as alíquotas aplicáveis à mudança de base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, usualmente referida como desoneração da folha de pagamento.
Em relação às despesas houve, seguramente, um corte vigoroso, acompanhado de medidas corretas de acesso a determinados benefícios sociais.
Ninguém tem dúvida de que ajustes são desagradáveis, tanto quanto os regimes para reduzir a obesidade. Mas foi o caminho que restou para reparar os danos produzidos pela mais impressionante combinação de erros de política econômica da história recente do Brasil, a despeito do esforço, na área fiscal, para encobri-los mediante recurso às famigeradas pedaladas. Para complicar, as receitas federais, por causa da recessão, começam a ter desempenho abaixo do esperado, sem que deva ser contabilizado como surpresa.
Esse quadro serve de pretexto para propostas visando à instituição de novos tributos ou incidências tributárias, para as quais concorrem algumas tribos movidas por ressentimentos, devoção a modelos estrangeiros, romantismo sem causa, ignorância não reconhecida, etc. Algumas delas invocam o economista francês Thomas Piketty, mais jovem padroeiro das excentricidades tributárias. Aparentemente, foi contida a pressão pela extinção da isenção dos dividendos distribuídos e dos juros remuneratórios do capital próprio e pela implantação do imposto sobre grandes fortunas. A mais nova moda é o movimento pela elevação da tributação das heranças.
A herança já é tributada pelo Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), de competência estadual. Sua alíquota mais frequente é de 4%, apesar de uma previsão de alíquota máxima de 8%, por força da Resolução n.º 9/92 do Senado.
A herança é também tributada, diferentemente de outros países, pelo Imposto de Renda (IR) incidente sobre ganhos de capital, à alíquota de 15%.
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O que leva alguém a crer, sobretudo considerando a aventada hipótese de partilha com a União, que, elevando a alíquota máxima do ITCMD, as Assembleias Legislativas vão se sentir estimuladas a majorar esse imposto? Certamente, não será por pressão popular.
Com certo charme, suscita-se a hipótese de fundir PIS e Cofins, adotando um regime de crédito financeiro análogo ao do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). As legislações daquelas contribuições, exceto em casos particularíssimos, já são idênticas. A fusão de dois documentos de arrecadação não pode ser qualificada como simplificação. Pode ser, se muito, uma alegoria.
Sobre o propósito de assemelhar essas contribuições ao IVA, cabem algumas ponderações: 1) seu parentesco é com o IR, e não com o ICMS; 2) o atual modelo aplicado aos optantes do lucro presumido e aos regimes de incidência concentrada (setores farmacêutico, automotivo e de combustíveis) é bem acolhido por todos os contribuintes, o que faculta concluir que a mudança seria objeto de rejeição absoluta.
É inacreditável que a incapacidade de qualificar adequadamente os créditos do regime não cumulativo motive uma proposta indesejada pelos contribuintes e sem justificada fundamentação teórica. Salvo se for uma cortina de fumaça para promover aumento de tributação, especialmente nas pequenas e médias empresas prestadoras de serviço. O que seria deplorável.
Aumentos de tributos demandam legitimidade. É difícil aceitá-los em qualquer ocasião, mas quando se sabe que a receita servirá para cobrir a má gestão, a corrupção e a farra dos 39 ministérios, a natural repulsa pode ser convertida em devastadora indignação.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 2/7/2015
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