Há momentos em que sonho: o IBGE está subdimensionando os cálculos do PIB das Contas Nacionais! Sonhei isto a primeira vez quando a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República mostrou que a renda familiar pela PNAD cresce bem mais que o PIB das Contas Nacionais, o que estaria mostrando erro no cálculo do PIB. Entretanto, fui despertado desse sonho quando lembrei que a renda familiar é apenas uma parte do PIB. E, olhando o passado, este resultado se inverte em vários anos: que pena, o cálculo do PIB está correto!
Na semana que passou voltei a sonhar: foi anunciado no Valor (dia 8 de agosto, página A9) por um economista da empresa LCA, que o IBGE estaria subdimensionando o valor do PIB da Indústria de Transformação. Segundo o estudo da LCA, as Pesquisas Anuais (da Indústria, da Construção e do Comércio), mostrariam um quadro muito diferente daqueles do PIB das Contas Nacionais. Diz o estudo que na revisão que o IBGE divulgará no próximo ano, os resultados da produção industrial serão bem superiores aos que se conhece pelas Contas Nacionais trimestrais e que elevará substancialmente o valor do PIB dos anos posteriores a 2009. Adiciona ainda um gráfico relacionando a evolução consumo de energia e do PIB, chamando a atenção que o consumo de energia não caiu tanto quanto o PIB no período recente, corroborando que o PIB está sendo subdimensionado pelo IBGE.
[su_quote]A indústria brasileira está derretendo, tem baixa produtividade, é pouco competitiva e PIB terá nova queda[/su_quote]
Não foi dito no estudo, mas por aqueles cálculos pode-se derivar que a produtividade da indústria de transformação estaria bombando, e a competitividade da indústria brasileira seria fantástica. Além disso, a participação da indústria no PIB seria bem maior do que aquela que tem se mostrado nas contas nacionais – portanto, poder-se-ia concluir que essa conversa de desindustrialização é papo de economista pessimista; teríamos que passar a discutir o fenômeno da reindustrialização brasileira a partir da introdução do PAC. E esse produto industrial maior não é exportado, pois estamos dando preferência ao consumo das famílias brasileiras que tem tido um notável aumento de sua renda média, como mostrou a SAE. Viva!
Comecei a despertar deste novo sonho quando pensei cá comigo, inicialmente, que o estudo deveria mostrar a relação entre consumo de energia na indústria e o PIB da indústria; se o fizesse, constatei, ficaria evidente que a evolução dos dois anda colada como sempre o fez. A comparação da LCA está errada.
Continuando minha desconfiança, lembrei-me que as pesquisas anuais do IBGE (a PIA entre elas) são divulgadas por empresas e, portanto, uma empresa ao produzir diferentes produtos, será classificada na atividade econômica em que se classifica o seu produto principal, ou seja, com maior valor da produção. Explico: a Petrobrás é classificada na PIA (Pesquisa Industrial Anual) na atividade de refino de petróleo, que é uma atividade da indústria de transformação. Toda sua produção de mineração (petróleo) e transporte (Transpetro) e eventualmente outros será classificada na PIA como produtos da indústria de transformação, superdimensionando o valor da indústria de transformação da PIA. As contas nacionais procedem de forma diferente: identifica e desmembra cada unidade local da Petrobrás (afinal a Petrobrás não refina petróleo no mesmo local que o extrai) e as classifica pelo seu produto principal na atividade correspondente. Logo, a previsão da LCA de que o PIB da Indústria de Transformação é muito maior e está crescendo mais do que revela o PIB trimestral está errada.
Como não tenho elementos para reproduzir os mesmos procedimentos das contas nacionais, restou-me olhar para o passado recente, diferenciando os anos em que o IBGE já incorporou nas contas nacionais as pesquisas industriais anuais e quando não o fez. Assim é que, de 2007 a 2009 para a atividade da indústria de transformação, o problema apontado pelo estudo (PIB da PIA superior ao PIB das contas nacionais) é observado para todos os anos, à exceção de 2009. Mas esta comparação está errada e, portanto, não é utilizada para cálculo do PIB nas contas nacionais da forma como é divulgado pela PIA.
Podemos buscar evitar o problema de classificação entre apenas essas duas atividades se somarmos à Indústria de Transformação a Extrativa Mineral; fica claro que o PIB da IT+EXM fica por cima no período 2007-2009 e mesmo em 2010 quando o IBGE ainda não incorporou a PIA no PIB. Para 2011, o valor de ambas é próximo e, para 2012, a distância é menor do que quando se compara apenas a Indústria de Transformação. Ou seja, o exemplo da Petrobrás acima quando aplicado apenas para a extrativa mineral se reproduz claramente. Podemos imaginar isso em algumas outras atividades e verificar que não há subdimensionamento no PIB.
Podemos concluir que um elemento básico, que é a classificação da empresa, pode explicar as diferenças erradamente apontadas pelo estudo da LCA e, em momento algum, se pode concluir que os resultados das contas nacionais serão revistos substancialmente para cima em razão da incorporação das pesquisas industriais anuais. Os procedimentos do IBGE para o cálculo do PIB são bem mais complexos do que soma e subtração.
Mas, quem preferir pode acreditar que “a produção industrial e, por conseguinte, o PIB da economia brasileira é bem superior aos valores conhecidos e cresce mais, e isso ficará evidente quando o IBGE incorporar as pesquisas estruturais de 2010 em diante”.
Mas isso é um sonho sem qualquer chance de se tornar realidade. De fato a indústria brasileira está derretendo, tem baixa produtividade e é pouco competitiva; com isso, o PIB sofrerá neste próximo segundo trimestre uma forte queda só superada pelo que ocorreu no período dos primeiros 9 meses de 2009 em que a marolinha (segundo Lula, que assim apelidou a Tsunami da crise financeira), impactou o Brasil.
Fonte: Valor Econômico, 14/08/2014.
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