Até 2030, alta de gastos com previdência, educação e saúde será de R$ 300 bilhões
O debate sobre contas públicas vai muito além de 2015 e 2016 e da capacidade de cumprir a meta de superávit primário (economia para pagar os juros da dívida pública) estabelecida pelo governo a curto prazo. Estudo feito por Mansueto Almeida, Marcos Lisboa e Samuel Pessoa aponta que o aumento de gastos públicos no país com previdência, educação e saúde — ao qual o governo vem respondendo com alta de impostos — será de R$ 300 bilhões até 2030, o que corresponde a 6% do Produto Interno Bruto (PIB, a geração de valor da economia). Isso significa um aumento de R$ 20 bilhões por ano. Pelo cálculo dos autores, para dar conta desse aumento de gastos, seria necessária a criação de quatro CPMFs até lá, ou uma nova a cada governo, sem prescindir das outras. O valor também equivale a aprovar todo ano medidas de contenção de despesas como a que o governo propôs em dezembro (de R$ 18 bilhões) ou 20 a 50 vezes as propostas de imposto sobre grandes fortunas.
O estudo “O ajuste inevitável ou o país que ficou velho antes de se tornar desenvolvido” aponta uma conta que não fecha: a despesa pública cresce, desde 1991, a um ritmo superior ao da renda nacional. Para fazer frente a essas despesas, a carga tributária passou de cerca de 25% do PIB em 1991 para pouco mais de 35% em 2014. No período, o aumento da renda real no país foi de 103%, enquanto a receita de impostos cresceu 184%. Um dos pontos criticados foi a desoneração de impostos para setores específicos, que acaba afetando a produtividade dos demais segmentos. “O populismo dos últimos anos cobra seu preço”, afirmam os autores.
O trabalho defende que a maior parte do crescimento dos gastos ocorreu em políticas sociais. Porém, segundo o texto, isso “não resultou em uma equivalente melhora na qualidade das políticas públicas tradicionais, como saúde e educação”.
Serra: Margem para cortar gastos
— Os gastos públicos aumentaram em todos os governos após a Constituição. Este é um problema estrutural, mas que foi agravado no governo Dilma. Apenas com três programas — Minha Casa, Minha Vida, a compensação do Tesouro ao INSS e os subsídios ao setor elétrico —, foi criada uma conta de R$ 44 bilhões, ou 0,8% do PIB. Foram criados programas de custo elevado sem recursos — afirma Mansueto, especialista em contas públicas.
De 1991 a 2014, houve um aumento de quase R$ 500 bilhões nos gastos anuais. Em 2014, as despesas primárias do governo central (sem considerar juros) eram de R$ 1,031 trilhão, ou 18,7% do PIB (já considerando a nova série histórica). Com o aumento de R$ 300 bilhões (ou 6% do PIB), essa parcela subiria para 24,7% do PIB. Para manter estável a relação entre a dívida bruta e o PIB, ou seja, sem aumento, seria necessário algo perto de 5% do PIB, ou R$ 290 bilhões. Mas a crise não requer apenas uma solução imediata: “É mais profunda e requer um ajuste mais severo e estrutural”, diz o documento.
Parlamentares ouvidos pelo GLOBO reconheceram a importância de uma reforma estrutural da política fiscal no Brasil, mas admitem que o governo tem pouco espaço para fazer algo concreto no atual momento de crise política e econômica. Eles também ressaltam que os efeitos dessa reforma só apareceriam a médio prazo.
Relator do Orçamento da União de 2015, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) afirma que é preciso discutir uma nova estratégia econômica e social no Brasil, de modo que haja redução futura da demanda por benefícios sociais. Segundo ele, o governo adotou como estratégia o aumento de subsídios e gastos sociais sem trabalhar em medidas para fazer frente a esses gastos, “queimando receitas e gerando despesas”. Para Jucá, é preciso atacar o rombo da Previdência Social e melhorar a educação. Mas ele lembra que o governo, fragilizado política e economicamente, tem pouca margem para conduzir esse tipo de debate.
A senadora e ex-ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman (PT-PR), admite que é preciso ajustes nos gastos públicos, mas rechaça qualquer proposta de restrição de gastos sociais. Ela lembra que o regime de Previdência foi criado numa realidade na qual a expectativa de vida era mais baixa e precisa de revisão. Segundo Gleisi, quem cobra do governo uma reforma estruturante nas contas públicas deveria fazer o mesmo do Legislativo e do Judiciário, que acaba de propor um reajuste de até 78% para seus servidores.
O senador José Serra (PSDB-SP) disse acreditar que, apesar do ajuste fiscal e do contingenciamento de despesas, o governo ainda tem margem para cortar gastos. Uma medida é a renegociação de contratos de prestação de serviços. Segundo Serra, um ajuste estrutural das contas públicas também é necessário, mas ele alerta que medidas como uma reforma mais profunda na Previdência só terão efeitos a médio prazo. O senador é cuidadoso ao falar em eventuais medidas que reduzam benefícios sociais. Serra lembra também que a conta de juros paga pelo Brasil para a amortizar a dívida pública é muito salgada: está próxima de 8% do PIB.
O assessor econômico do Ministério do Planejamento Manoel Pires afirmou que o governo tem trabalhado para reduzir gastos obrigatórios que pesam de forma significativa sobre as contas públicas. Ele lembrou que a equipe econômica enviou propostas ao Congresso para dar maior eficiência às despesas com pensões, auxílio-doença, abono e seguro-desemprego. Além disso, foi enviado ao Legislativo um projeto para alterar o programa de desoneração da folha de pagamento das empresas e houve um corte nos repasses para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) em 2015. O assessor econômico também destacou os esforços do governo para conter a despesa de pessoal. Pires ressaltou que a taxa média de crescimento de várias despesas importantes desacelerou entre 2011 e 2014:
— Novas iniciativas para controlar despesas devem ser anunciadas no segundo semestre.
Entre 1999 e 2011, a receita de impostos teve taxa de crescimento de 7%, muito maior que a do PIB. Só que o quadro mudou a partir de 2012.
— A gente se esqueceu dos problemas. Só que isso mudou e mesmo assim o governo fez mais desonerações. Foi um quadro agravado com uma política econômica de má qualidade. A dívida pública está crescendo em bola de neve. Se nada sério for feito, em alguma hora o Tesouro vai quebrar e vamos virar a Grécia — diz Pessoa, professor da EPGE/FGV e pesquisador do Ibre/FGV.
Simplificação de tributos
Diretor-presidente do Insper, Marcos Lisboa ressalta a distância entre as idades de aposentadoria no Brasil e em outros países. Isso se torna ainda mais grave num momento em que a população deixará de contar com o chamado bônus demográfico — quando há proporcionalmente mais jovens na população e o percentual de idosos ainda não é alto, uma estrutura que favorece o crescimento da economia. Lisboa também destaca a distribuição de benefícios “de forma pouco transparente”, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas:
— São recursos da sociedade transferidos de forma pouco transparente, sem passar pelo Orçamento, desde financiamentos do BNDES, recursos do sistema S (como Senai e Senac), do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e FGTS. O ideal é que todos os programas tivessem a transferência do Bolsa Família.
Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, que vem apontando a situação grave do quadro fiscal, agora é mais importante pensar em soluções que permitam retomar o crescimento da economia.
— De que adianta criticar o governo agora, quando se está diante de um precipício e pode-se perder o grau de investimento? Não adianta querer aprovar medidas impopulares agora. É preciso retirar os entraves para os investimentos e ajudar a economia a voltar a crescer.
Consultor em contas públicas e ex-secretário de Finanças do município de São Paulo, Amir Khair aponta que é preocupante a discussão sobre o nível elevado das taxas de juros, que representam um custo alto na dívida pública.
Para o especialista em contas públicas da Tendências Consultoria Fabio Klein, o Estado brasileiro tem sido muito “gastador”, e é preciso sair do ciclo vicioso de aumentar carga tributária para dar conta do aumento dos gastos.
— Mesmo uma situação complexa como a de hoje seria um bom momento para mudanças. Crises podem gerar oportunidades, mas o que se vê são medidas que pioram o quadro estrutural.
O estudo aponta que a agenda para a retomada do crescimento passa pela simplificação da estrutura tributária e pela uniformização das regras para os diferentes setores da economia.
— Três coisas podem ser feitas: aumento de impostos, flexibilização de gastos com desvinculação da Receita da União e reforma de Previdência e gastos sociais. Quem vai decidir essa combinação: Congresso e população — aponta Pessoa.
Fonte: O Globo
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