O Reino Unido, a França, a Itália e inúmeros outros países adotaram medidas, com grande diversidade de forma e de conteúdo, visando à repatriação de capitais.
Ainda que não seja fenômeno recente, a evasão de divisas cresceu significativamente em tempos de globalização, a ponto de merecer uma atenção especial do G-20 (grupo integrado pelas 20 maiores economias do mundo), que incumbiu a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de examinar a matéria, no âmbito de propostas para combater a evasão fiscal e a corrupção.
A evasão ilícita de capitais tem como principais motivações: a lavagem de dinheiro oriundo do narcotráfico, corrupção, contrabando, extorsão e outros crimes, cuja repatriação é pouco provável porque esses criminosos são ousados, mas não completamente imprudentes; e a sonegação de impostos, não necessariamente vinculada àqueles crimes.
O medo em situações-limite, também, concorre para essas ilicitudes. É pouco razoável, por exemplo, cobrar dos judeus, no contexto da perseguição nazista, a utilização de métodos lícitos e transparentes na constituição de depósitos em instituições financeiras suíças, com o objetivo de proteger o que restava do seu patrimônio.
As regras de repatriação de capital devem, no meu entender, se sujeitar a algumas restrições: não podem oferecer tratamento privilegiado, no tocante ao ônus tributário, em relação àqueles que não praticaram tais ilicitudes, nem devem implicar extinção dos crimes antecedentes à evasão.
A lei brasileira e a jurisprudência do Superior Tribunal Federal (STF) já asseguram a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária à vista do pagamento dos tributos devidos, ou a suspensão da pretensão punitiva do Estado, nos casos de parcelamento. Para que essa regra seja aplicável à repatriação de capitais, basta incluir a extinção da punibilidade dos crimes contra o sistema financeiro.
Esse caminho sanearia a irregularidade dos ativos nos exterior e produziria a receita fiscal tão necessária em época de crise, sem introduzir privilégios em relação à situação vigente nem extinguir a punibilidade dos crimes antecedentes à evasão.
[su_quote]Para repatriar capitais, não seria melhor adotar o modelo mais simples?[/su_quote]
A partir de debates na CPI do HSBC foi apresentado projeto de lei que pretende extinguir a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária e contra o sistema financeiro associados a ativos ilicitamente constituídos no exterior, mediante o pagamento do Imposto de Renda à alíquota de 17,5% (a alíquota máxima vigente, no IRPF, é de 27,5%), acrescido de uma multa de regularização de 17,5%. O produto da arrecadação da multa seria vinculado a um fundo destinado a compensar perdas de Estados em virtude da redução das alíquotas interestaduais do ICMS, na pretensão, de forma equivocada, de eliminar a guerra fiscal.
A proposta encerra várias impropriedades: 1) a redução da alíquota só alcançaria fatos geradores futuros, sendo ineficaz em relação aos ativos já constituídos; 2) se a redução fosse eficaz corresponderia a uma forma disfarçada de remissão, contrariando o art. 156, § 6.º da Constituição; 3) a extravagante multa de “regularização” é, de fato, tributária, sendo vedada pela Constituição (art. 167, IV) sua vinculação a fundo; 4) a redução de alíquota e a instituição da multa é, na verdade, um ardil pouco sutil, objetivando subtrair recursos que seriam, em razão de mandamento constitucional, destinados aos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM) e aos Fundos Regionais; 5) não há como condicionar transferência de recursos para os Estados à constituição de um fundo, cuja fonte seriam receitas próprias daqueles entes; 6) é fora de propósito cogitar da redução de receitas dos municípios, justamente quando estão clamando por recursos adicionais; e 7) independentemente da impropriedade do fundo para resolver a guerra fiscal, é descabido imaginar seu financiamento com base em uma receita eventual.
Para repatriar capitais, consideradas as opções apresentadas, não seria melhor adotar o modelo mais simples?
Fonte: O Estado de S. Paulo, 6/8/2015
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