Por Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso*
O Brasil encontra-se em uma situação econômica bastante delicada. A inflação prevista para este ano está em torno de 9% e o produto deve cair mais de 1%. Em abril, a produção industrial ficou 7,5% abaixo de seu valor no mesmo mês de 2014. O emprego reduz-se rapidamente e a produtividade permanece estagnada ou mesmo em declínio. O ajuste fiscal em curso poderá impedir o afundamento do barco, mas nada indica que o rumo posterior será o do crescimento.
Surpreendentemente, alguns analistas encaram a situação atual com certo otimismo. Os péssimos números acima constituiriam apenas o preço a pagar para se corrigir os graves problemas e distorções criados pela fracassada “Nova Matriz Econômica”. A alta inflação decorreria de uma mera correção de preços relativos, causada pela revisão de preços administrados artificialmente controlados durante o ano eleitoral, não havendo risco de se perpetuar. A recessão seria passageira, um remédio amargo necessário para inibir repasses de custos em reação aos novos preços administrados. O ajuste fiscal em curso recolocaria o país nos trilhos, sendo suficiente para assegurar uma
sólida e consistente recuperação.
Infelizmente, não há motivos para otimismo no curto, nem no médio, e muito menos no longo prazo. Somente com reformas muito mais amplas e profundas do que as que estão sendo anunciadas e (parcialmente) implantadas pelo governo, se poderia vislumbrar uma retomada da economia ainda no atual mandato presidencial. A resistência de grupos organizados a qualquer mudança que afete seus interesses, bem como as contradições internas de um governo politicamente fraco, impedem a adoção de reformas capazes de recolocar o país numa trajetória de crescimento sustentável. Reformas estruturais exigiriam visão e liderança, algo de que o atual governo carece.
[su_quote]Infelizmente, não há motivos para otimismo no curto, nem no médio, e muito menos no longo prazo[/su_quote]
Começando pelo curto prazo, não há dúvida de que o ajuste fiscal é necessário, pois os resultados de 2014 – déficit primário de 0,6% do PIB e nominal de 6,7% – eram insustentáveis. Se mantidos, esses números levariam ao crescimento explosivo da dívida pública, dívida que deverá alcançar 65% do PIB neste ano, dez pontos percentuais acima do observado em janeiro de 2010. As despesas do governo central aumentaram cerca de dois pontos percentuais do PIB desde 2010, ou algo em torno de 10% em relação ao já elevado patamar daquele ano. As tentativas de conter gastos até agora foram tímidas e parcialmente mal sucedidas, encontrando pouco apoio dentro da própria coligação
governamental. Grande parte do corte constitui mero adiamento de despesas. Em termos reais os gastos públicos provavelmente continuarão se expandindo neste e nos próximos anos.
Tudo indica que o maior ajuste se dará via aumento de impostos. Dado que a carga tributária brasileira já alcançou nível bastante alto – 36% do PIB –, uma elevação adicional impõe novo entrave aos negócios e ao bem-estar dos cidadãos, com impacto adverso sobre o crescimento. A estrutura tributária brasileira, que já é excessivamente complexa e distorciva, diante do atual clima de urgência que torna bem-vindo “qualquer tipo de ajuste”, tende a se tornar ainda mais casuísta e nossa colcha de retalhos tributária ficará ainda mais retalhada. Não se descarta a reintrodução da CPMF, um imposto muito ruim e extremamente distorcivo, mas que atrai nossos gestores públicos pela sua facilidade de arrecadação. Assim, o melhor cenário de médio prazo consistiria em uma economia com superávit primário suficiente para manter estabilizada a razão dívida/PIB, mas obtido mediante uma carga tributária maior e pior. Mais impostos e mais distorções implicam menos investimentos, pior alocação de recursos e baixo crescimento. Não há motivo para qualquer otimismo, mesmo a longo prazo: mesmo se o ajuste der certo, o país permanecerá estagnado e estaremos pior que há dez anos atrás.
Como já reiterado várias vezes neste espaço, a baixa renda per capita brasileira resulta de uma infeliz combinação de baixo nível educacional com alta ineficiência generalizada na alocação dos recursos empregados na produção. Muitas das reformas necessárias para o desenvolvimento foram interrompidas e mesmo revertidas a partir de 2008. O ambiente econômico está pior do que estava naquele momento. E não há sinal de melhoria: continuam as mesmas as políticas de conteúdo nacional, a enorme burocracia, o uso político dos bancos públicos e empresas estatais, a interferência política nas agências regulatórias, a má regulação e intervenção atrapalhada nos setores de petróleo e de energia elétrica, as enormes barreiras comerciais e o Banco Central ainda padece da mesma vulnerabilidade política, para citar apenas algumas das mazelas que afetam a produtividade no país e afligem aqueles que se aventuram a empreender. Agravando o quadro, mesmo que muitas destas reformas sejam levadas a cabo, o efeito final de longo prazo será limitado pela péssima qualidade da educação, um campo onde pouco se avançou nos últimos dez a vinte anos.
O Brasil flerta perigosamente com a mediocridade e seus políticos, analistas e economistas parecem conformados com isso. Uma vez mais o país escolhe a direção onde há menor resistência política no curto prazo, aceitando como imutáveis os interesses particulares que perpetuam um equilíbrio microeconômico de baixo crescimento. Talvez esteja na hora de pensar fora desta caixa, propondo alternativas, rupturas e soluções um pouco mais radicais, dado que o atual contrato social não está funcionando. O ajuste em curso poderá levar em alguns anos a inflação à meta, mas sem reformas mais profundas a renda per capita pouco crescerá.
*Professores da Escola de Pós-graduação em Economia (EPGE-FGV)
Fonte: Valor Econômico, 17/6/2015
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