A crise chinesa vem sendo amplamente analisada do ponto de vista econômico por numerosos comentaristas. Este artigo pretende, porém, enfocar as dificuldades atuais da China sob um olhar geopolítico.
Até agora, tudo parecia possível para a China, já que um crescimento econômico de 12/13% dava fundamento às maiores ambições. O objetivo nacional era alcançar e até mesmo superar os Estados Unidos, tornando-se a maior superpotência do mundo. Hoje, em face dos últimos eventos, a percepção generalizada é que o país enfrenta problemas estruturais graves e, por isso, pode ver comprometida sua trajetória de ascensão.
É inevitável que a ascensão de novas potências, como a China de agora ou a Alemanha do final do século XIX, resulte em abalos e fricções na ordem estabelecida pelos detentores da hegemonia. Ambos partiram de uma posição de irrelevância internacional para um nível muito alto de significância, particularmente em suas respectivas áreas geográficas. A busca de poder é exercida em vários níveis. A primeira é conseguir um alto nível de capacidade militar chinesa, o que já está parcialmente garantido com seu armamento nuclear, seu programa espacial adiantado, o peso de seu enorme Exército e sua crescente Marinha de Guerra. A segunda é sua projeção econômica, como principal centro industrial do mundo, na importância de sua participação no comércio internacional.
É estrategicamente importante para a projeção internacional sem precedentes da China a sua grande injeção de capitais nos países e empresas ocidentais na África, no Brasil e outros países do continente americano, nesse caso, para assegurar seu suprimento de alimentos e minérios, assim como na Europa.
[su_quote]Já há sinais de que a resposta do governo será apregoar um forte nacionalismo em sua política externa como maneira de motivar seu público interno frustrado pela crise econômica[/su_quote]
Existe um aspecto vital da geopolítica chinesa, que é a rivalidade com os Estados Unidos e com o Japão. No primeiro caso, os atritos são por ora potenciais, mas, como dizem alguns analistas chineses, vão evoluir para o grande duelo do século. Eles giram, em primeiro lugar, em torno da busca de uma supremacia naval no Mar da China, um dos maiores mares do mundo. A Marinha dos Estados Unidos tem aí uma presença muito significativa, no momento, por exemplo, com uma poderosa força-tarefa em torno do porta-aviões nuclear John Stennis. Manter esta superioridade na região é uma questão inegociável para os Estados Unidos. Com o Japão, a China vive em permanente tensão, em parte devido a fatos da Segunda Guerra e em parte explicável justamente pela emergência chinesa como um desafio para os interesses japoneses. Por esta razão, o Japão está revendo sua doutrina militar que preconizava uma força de autodefesa modesta. Alguns autores chineses pensam que, malgrado o compromisso chinês com a chamada ascensão pacífica que o governo proclama, há um conflito inerente com os Estados Unidos e seus aliados e, por isso, a China deve reforçar ao máximo seu poder militar. Esta não é uma posição oficial, mas vem de setores influentes.
Por causa da atual crise, é possível que a China reduza suas ambições geopolíticas para concentrar-se em seus problemas internos. Isto dependerá de uma possível revolta da população por causa das perdas que vem sofrendo e da duração e profundidade da crise que assola o país. Seria necessário, porém, que houvesse um forte e duradouro abalo interno para que a China desacelere seu projeto de ascensão na escala de poder mundial.
Já há sinais de que a resposta do governo será apregoar um forte nacionalismo em sua política externa como maneira de motivar seu público interno frustrado pela crise econômica. As respostas a todas estas interrogações, que não são visíveis ainda, serão cruciais para entender e definir o papel da China na cena internacional.
Fonte: O Globo, 8/9/2015
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