Por Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli*
No início desta semana, o governo anunciou um pacote de medidas que se concentram no aumento de impostos, como a reintrodução da CPMF, e adiamento de despesas, como a postergação do reajuste dos servidores. De efetiva redução de gastos, há muito pouco. Prevalece a visão contábil de fechar o buraco das contas públicas no curto prazo, ignorando os impactos econômicos de longo prazo das medidas propostas.
No dia seguinte ao rebaixamento da dívida brasileira à categoria de lixo pela S&P, a Presidente Dilma concedeu uma entrevista a este jornal, em que defendeu o aumento de receitas. O pacote desta semana reafirma isso. A presidente declarou que os cortes de gastos recentemente implantados já teriam atingido o máximo factível. Afirmou que o ajuste fiscal não poderia ser mais profundo, devido à queda da arrecadação e ao fato de 90,5% das despesas primárias federais serem obrigatórias. Confirmou que a meta de superávit primário para 2016 permanece em 0,7% do PIB, mas para alcançar esse objetivo preconizou o aumento das receitas, ressalvando que “se o Congresso não aprovar as medidas, vai ficar com 0,5% do PIB de déficit”. Quando questionada a respeito de uma reforma da previdência, ela alegou que o assunto estava em debate num fórum…
Felizmente o Congresso parece convencido de que novos impostos, ainda que temporários, só se justificariam caso precedidos por mudanças constitucionais que colocassem os gastos públicos em uma trajetória sustentável. Estaria o Congresso errado em resistir à elevação de impostos? Deveria a sociedade aceitar conformada, como se fossem inevitáveis, os aumentos propostos no pacote?
Entre 1991 e 2014 a despesa primária da União – excluídas as transferências para estados e municípios – aumentou 9 pontos percentuais do PIB. Somente com gastos sociais, o crescimento foi de 0,3 ponto percentual do PIB ao ano, ao longo de 23 anos! No período, a carga tributária do país subiu de 25% PIB para 35%. Muito da melhoria na distribuição de renda decorrente da elevação de gastos só se viabilizou devido à elevação simultânea das receitas, mas há sinais de que o modelo se esgotou. Essa política, que foi seguida por tucanos e petistas, manteve um razoável resultado orçamentário até 2008, quando a Nova Matriz Econômica adotou medidas que levaram ao desequilíbrio atual.
Para se reverter o crescimento explosivo da relação Divida bruta/PIB, o superávit primário precisará voltar a 3% do PIB por alguns anos. Aritmeticamente, isso poderia ser alcançado tanto por corte de despesas quanto por aumento de receitas. Mas a reação da sociedade diante dos balões de ensaio envolvendo a volta da CPMF e a elevação do imposto sobre heranças, para citar somente alguns exemplos, mostrou que a ampliação da receita encontrou seu limite. Ao propor mais do mesmo, o pacote aposta na conta de chegada, não importando o custo futuro.
[su_quote] Congresso e a sociedade parecem ter entendido que aceitar novos aumentos de impostos, sem que antes se modifiquem as regras que mantêm os gastos em trajetória explosiva, seria altamente danoso à atividade econômica[/su_quote]
Em seu formato atual, as despesas legalmente definidas são irredutíveis, mas pode-se ajustar o ritmo de seu crescimento no longo prazo. Isso exigiria uma negociação política que resultasse em uma ousada reforma constitucional. Se, por um lado, as decisões a serem tomadas são politicamente desgastantes, por outro lado, as regras em vigor são tão obviamente insustentáveis, e sem equivalentes em outros países, que seria possível explicá-las à população. Com efeito, aposentadorias precoces, pensões pagas a viúvas jovens, universidade
gratuita para quem poderia pagar, concessão de benefício assistencial a quem nunca contribuiu para o INSS pago em valor idêntico ao recebido por quem contribuiu sobre um salário mínimo, são exemplos de típicas jabuticabas.
As mudanças constitucionais necessárias sequer precisariam gerar economias imediatamente. A idade mínima para a aposentadoria aos 65 anos, por exemplo, poderia ser fixada para 2027, caindo para 64 em 2026, para 63 em 2025, e assim por diante. A reversão de expectativas embutidas nas novas regras seria imediata. Investimentos hoje considerados inviáveis, à luz da perspectiva de contínuo aumento da carga tributária requerida para sustentar os gastos estabelecidos pelas regras em vigor, se tornariam viáveis. Além disto, há outras despesas e uma série de subsídios à atividade econômica, muitos altamente regressivos, não tocados pelo pacote.
Diante da atual carga tributária, investir e gerar empregos no Brasil se tornou um mau negócio. O governo continua ignorando isso, mas o Congresso e a sociedade parecem ter entendido que aceitar novos aumentos de impostos, sem que antes se modifiquem as regras que mantêm os gastos em trajetória explosiva, seria altamente danoso à atividade econômica, e apenas daria ao PT uma confortável travessia até 2018.
Democracias jovens só conseguem reunir consenso político para implantar reformas, que geram desconforto no curto prazo em prol de benefícios no longo, quando se encontram à beira do abismo. Se reconhecesse os erros crassos de política econômica cometidos durante seu primeiro mandato, pedisse desculpas à oposição pela campanha desleal e difamatória de 2014, e assumisse o ônus político de enviar ao Congresso propostas de mudança constitucional como as sugeridas acima, Dilma poderia transformar seu segundo mandato num construtivo período de transição, como se revelou o mandato tampão de Itamar Franco. Infelizmente, ela parecer ter outros planos.
*Renato Fregelli é Doutor em Economia pela EPGE-FGV.
Fonte: Valor Econômico, 16/9/2015
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