Chegou a hora de restabelecer o valor de R$ 0,60 da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE). É solução para vários problemas, não apenas os relacionados à séria crise fiscal. E não depende de aprovação do Congresso Nacional.
A insustentável situação fiscal pode agravar a atual crise econômica. É preciso gerar, nos próximos anos, superávits primários suficientes para evitar a tendência explosiva da relação dívida/PIB, que já pode ultrapassar perigosos 70% entre 2016 e 2017. Sem isso sofreremos continuados rebaixamentos da classificação de risco do país, com graves impactos sobre a confiança, o ritmo de atividade econômica, a criação de empregos e o bem-estar. Pior, chegaríamos à “dominância fiscal”, situação em que a política monetária perde função, levando ao descontrole inflacionário.
O desastre fiscal tem suas raízes na Constituição de 1988, que buscou, sem fazer contas, implantar no Brasil um Estado de bem-estar social incompatível com o estágio de desenvolvimento do país. As consequências fiscais desse “pacto” foram acentuadas com a posterior ampliação dos gastos com previdência, educação e saúde, que hoje somam três quartos das despesas primárias federais.
O salário mínimo, que agora reajusta dois terços dos benefícios previdenciários, aumentou perto de 150% acima da inflação nos últimos 20 anos.
A solução do imbróglio requer medidas corajosas para rever a política de reajuste do salário mínimo, a vinculação de recursos à educação e à saúde e uma mudança nas regras de aposentadorias e pensões, que evitem o descontrole do déficit previdenciário. Atacar os gastos obrigatórios é tarefa para um governo dotado de forte liderança e um Congresso mobilizado para encarar o desafio.
Implica enfrentar grupos de interesse que se oporão à redução de seus nichos hoje garantidos no Orçamento. Sem vencer esses grupos, as próximas gerações enfrentarão um futuro negro.
[su_quote]A medida deve ser adotada sem demora, tanto por seu efeito positivo no ajuste fiscal quanto por seus inequívocos benefícios sociais.[/su_quote]
Acontece que todos os gastos obrigatórios estão inscritos na Constituição. Por isso sua redução demanda capacidade de formulação e condições políticas não disponíveis neste momento. É desafio para próximos governos.
Mesmo que fosse possível começar já esse empreendimento e obter o apoio do Congresso para sua aprovação (pelo menos 60% de votos na Câmara dos Deputados e no Senado), dificilmente as medidas entrariam em vigor antes de 2017. E mesmo assim de forma escalonada, produzindo efeitos em horizonte de uma a duas décadas, pelo menos.
Medidas de racionalização de gastos e alguma recuperação da atividade econômica a partir de 2017 poderiam atenuar o problema fiscal, mas este não terá solução definitiva sem as mudanças estruturais aqui mencionadas. É preciso, pois, uma ponte que nos permita atravessar a tormenta e, assim, evitar o colapso fiscal.
Infelizmente, formou-se uma onda contrária a qualquer aumento de impostos. É a consequência da dificuldade de entender a situação fiscal, da baixa credibilidade do governo federal, das trapalhadas da política econômica anterior e do cansaço da sociedade com os excessos de tributação sem correspondência na prestação de serviços.
Em algum momento se pode formar o convencimento de que a ponte é essencial para chegarmos a 2017 sem uma indesejável piora da crise, mesmo sem considerar eventual impacto da Operação Lava Jato que agrave o quadro.
A elevação da Cide – que arrecadaria cerca de R$ 15 bilhões – é saída inteligente, mesmo sem arrecadar tanto quanto a CPMF (R$ 32 bilhões). Com o restabelecimento do valor de R$ 0,60 por litro de gasolina voltaríamos ao nível anterior ao período de controle dos preços dos combustíveis, feito para disfarçar os níveis de inflação.
A medida extrapolaria o objetivo de arrecadar e de contribuir para evitar o colapso fiscal. A elevação da Cide teria vários outros efeitos benéficos para a economia e a sociedade, que adviriam dos correspondentes estímulos ao crescimento da produção nacional de etanol.
As externalidades positivas da medida são inúmeras, entre as quais podemos citar:
1) Reduziria as emissões de gases de efeito estufa e diminuiria os gastos com saúde decorrentes de problemas respiratórios e cardiovasculares causados pelo consumo de combustíveis fósseis. Também cairia o número de mortes associadas a esse problema.
2) Estudos recentes mostram que a expansão da produção de etanol criaria 250 mil empregos diretos e 500 mil empregos indiretos na cadeia do setor sucroenergético até 2030.
3) Demandaria investimentos de R$ 40 bilhões a cargo do setor privado, nesse período.
4) A balança comercial ganharia com a redução das importações de gasolina. Calcula-se que sem o aumento da produção de etanol essas importações poderão somar 240 bilhões de litros daqui até 2030. Seria possível reduzi-las em 95 bilhões de litros.
O emprego da tributação de combustíveis como instrumento para reduzir os respectivos efeitos ambientais é matéria pacífica em todo o mundo, em especial entre os países desenvolvidos. A Cide enquadra-se perfeitamente nesse contexto. É difícil encontrar outra incidência tributária cujas vantagens suplantem tão largamente os seus custos.
Na realidade, o restabelecimento da Cide tem a mesma lógica dos reajustes corretivos que o governo realizou para restabelecer a realidade nos mercados de combustíveis e energia elétrica. O efeito inflacionário da elevação dessa contribuição, de menos de 1%, é substancialmente inferior àqueles em que se incorreu com essa ação corretiva. Também nesse campo, o custo seria inferior aos benefícios.
Diz-se que o aumento da Cide é uma carta na manga do governo para o caso de frustração de algumas medidas do pacote fiscal recentemente anunciado. A medida é mais do que isso. Deve ser adotada sem demora, tanto por seu efeito positivo no ajuste fiscal quanto por seus inequívocos benefícios sociais.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 3/10/2015
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