*Marcos de Barros Lisboa e Zeina Latif
O Brasil teve importantes avanços sociais na década de 2000 em decorrência de conjuntura externa favorável aliada a mais de uma década de reformas que resultaram em maior crescimento e forte aumento do emprego, com ganhos reais do salário mínimo.
[su_quote]A revisão de benefícios, como a nossa insustentável regra para aposentadoria, requer, igualmente, a reforma dos privilégios dos grupos com maior renda[/su_quote]
Esse ciclo se encerrou em 2011. Nos últimos anos, houve queda da geração de emprego formal, da produtividade e do investimento, resultando na recessão iniciada em 2014, que se prolonga indefinidamente, com o consequente retrocesso dos ganhos sociais da década passada.
A causa mais imediata da crise é o desequilíbrio das contas públicas; um Estado em que a despesa cresce mais do que a receita.
O deficit das contas públicas, descontados a inflação (IPCA) e o gasto com as intervenções do Banco Central para conter a valorização do dólar (swaps cambiais), estava em 2% do PIB no começo do governo, e se agravou desde então, devendo ficar entre 4% e 5% no fim de 2015, dependendo da extensão da correção das pedaladas fiscais.
Esse desequilíbrio resulta no paradoxo de uma economia em recessão de 3% e inflação de 10% neste ano. A superação da crise passa pela revisão das regras de diversas políticas. Cerca de 75% das despesas, excluindo juros sobre a dívida, são indexadas e aumentam com o PIB quando a economia cresce, porém não podem ser reduzidas nas fases de retração, resultando em gasto que cresce acima da renda nacional.
Além disso, algumas políticas são insustentáveis com as regras em vigor. A idade média de aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil é de 52 anos para mulheres e 55 anos para homens, e a despesa com Previdência e Assistência Social compromete 60% do gasto do governo federal, excluindo os juros.
A melhora contínua da qualidade de vida torna inevitável a adoção da idade mínima para aposentadoria, em geral superior a 60 anos nos países desenvolvidos.
Por outro lado, nesses países a intervenção do Estado reduz a desigualdade por meio da maior tributação sobre os grupos com renda mais elevada e do maior gasto nas famílias mais vulneráveis. No Brasil, porém, a ação do Estado de cobrar tributos e transferir recursos na melhor das hipóteses preserva a desigualdade, se não a agrava.
Apesar de nossa elevada carga tributária, a qualidade da política pública no Brasil decepciona, como documenta o livro “Avaliação da Qualidade do Gasto Público e Mensuração da Eficiência” (organizado por Rogério Boueri, Fabiana Rocha e Fabiana Rodopoulos), publicado pelo Tesouro Nacional.
A evidência indica que a maioria dos países assemelhados consegue melhores resultados com recursos equivalentes aos gastos no Brasil. Segundo uma estimativa, o Brasil gasta 3% do PIB a mais do que seria necessário para a atual qualidade da política pública em saúde, educação, assistência e investimento público.
Por fim, parte relevante dos recursos públicos é destinada a grupos com maior renda ou a instituições parafiscais. Os créditos subsidiados concedidos pelo BNDES custam, anualmente, bem mais do que os cerca de R$ 28 bilhões investidos neste ano no Bolsa Família. O mesmo ocorre com outras políticas regionais e setoriais que no total provocam renúncia tributária equivalente a 5% do PIB.
Em uma sociedade desigual como a brasileira há, naturalmente, maior resistência para reformas, mesmo para aquelas que avancem na direção correta para benefício de todos. Essa resistência é agravada pela baixa qualidade dos serviços públicos e por um Estado que concede demasiados privilégios para os grupos de maior renda.
A construção de um acordo político para o difícil ajuste necessário requer uma ampla avaliação dos diversos programas, identificando os grupos beneficiados e os resultados obtidos, permitindo assim selecionar os projetos que devem ser preservados e os que devem ser reformulados ou extintos.
A revisão de benefícios, como a nossa insustentável regra para aposentadoria, requer, igualmente, a reforma dos privilégios dos grupos com maior renda. A alternativa é um ajuste ainda mais severo imposto pelo aprofundamento da crise, para prejuízo de todos.
*Marcos de Barros Lisboa é presidente do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa
Fonte: Folha de S.Paulo, 27/10/2015.
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