*Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso
Neste momento em que o país atola na sua maior crise econômica desde 2002, o PT,
economistas de esquerda e mesmo o presidente Lula contribuem para agravá-la, ao
defenderem a saída do ministro Levy e uma política econômica onde o ajuste se daria,
quase por milagre, por mais gastos e pela repetição dos erros do passado.
[su_quote]O PT e os supostos intelectuais de esquerda, ao sabotarem o ajuste fiscal, apostam numa saída miraculosa inexistente[/su_quote]
Logo após a apertada vitória eleitoral de outubro de 2014, o governo Dilma se viu
encurralado. O resultado da desastrada política hiper-intervencionista do primeiro
mandato cobrava um alto custo. A inflação, apesar do congelamento dos preços
administrados, já beirava o teto da meta. Os déficits em conta corrente e primário se
elevavam continuamente. A conta do setor elétrico crescia exponencialmente, na mesma
velocidade da queda do caixa da Petrobrás. E a desconfiança dos mercados em relação ao
governo apontava para fuga de capitais, recessão e perda do grau de investimento. O
marqueteiro da campanha oficial havia logrado esconder a crise dos eleitores
desinformados, mas não do mercado. Este já exigira, desde agosto de 2013, o confortável
seguro cambial de US$ 100 bilhões em swaps – que custaram 2% do PIB, após a
desvalorização cambial –, bem como a elevação (ainda que tímida) da taxa de juros.
Somente dentro desse contexto se pode entender o convite a Joaquim Levy, um
economista com ampla experiência, tanto de governo como em organizações
internacionais e no setor privado, mas com formação econômica diametralmente oposta
à da presidente e seus conselheiros. Ao atrair um nome de fora de seu círculo de apoio
mais próximo e com grande respeito junto àqueles que mais desconfiavam de suas
intenções, o governo almejava ganhar alguma credibilidade. A missão de Levy era
convencer as agências internacionais de avaliação de risco de crédito a manter o grau de
investimento do país. Deveria fazê-lo sem ajuste, ou somente com aqueles indolores.
Tratava-se de uma missão impossível. Faltou combinar com as agências.
O tempo logo se encarregou de confirmar que tanto a presidente quanto seu círculo mais
próximo de conselheiros não acreditavam na necessidade de uma mudança de rumo.
Mesmo após a indicação de Levy em dezembro, um último empréstimo ao BNDES de
R$30 bilhões foi autorizado, antes da posse do novo ministro. Ao longo dos quatro anos
anteriores, o governo Dilma dera seguidas mostras de que não estava na sua natureza a
implantação de um ajuste fiscal. A própria presidente, quando chefiara a Casa Civil anos
antes, havia repudiado o conceito de orçamento equilibrado, desqualificando-o como uma
ideia “rudimentar”. Afinal, para economistas de sua formação, o maior gasto público
estimularia o crescimento do produto, o que provocaria elevação da arrecadação
tributária, o que permitiria financiar o próprio aumento do gasto, num moto contínuo
inesgotável! Esta falta de convicção pode ser observada não só no entusiasmo
desenvolvimentista da Nova Matrix Econômica, mas na própria campanha eleitoral de
2014 e em tudo que os ministros e assessores mais próximos e influentes da presidente
escreveram e declararam ao longo de suas vidas profissionais.
Ocorre que a gravidade do descalabro fiscal escamoteado pelas pedaladas revelou-se
muito maior do que todos imaginavam. O país já se encontrava em recessão desde meados
do ano eleitoral, com queda da atividade econômica e do investimento, o que provocava
redução da receita tributária. Assim, o ajuste se mostrou muito mais difícil que o esperado
e o pouco apoio a ele que havia dentro do governo foi sendo roído e as ideias de Levy
passaram a ser ainda mais bombardeadas. Contra a opinião do ministro, chegou-se a
encaminhar ao Congresso uma meta deficitária para o resultado primário de 2016. Após
a perda do grau de investimento pela S&P, alguns setores menos ideológicos do governo
sinalizaram, por um breve período, algum apoio às medidas propostas pelo ministro.
Ainda assim, as previsões de inflação para 2016 têm aumentado continuamente enquanto
as de evolução do PIB despencam, mostrando que a falta de confiança no ajuste continua
disseminada na sociedade.
Em documento recente, a ala mais à esquerda do PT atacou veementemente o ajuste fiscal,
tendo atraído Lula para essa causa suicida. Enquanto isso, a pressão inflacionária,
desencadeada pela correção de preços administrados e pela imensa desvalorização
cambial, só tem a contê-la a recessão que impede os salários de acompanhar a inflação.
O pessimismo quanto à evolução dos superávits primários futuros já impõe o
encurtamento do prazo médio de vencimento da dívida pública.
O PT e os supostos intelectuais de esquerda, ao sabotarem o ajuste fiscal, apostam numa
saída miraculosa inexistente. Para esses tudo é uma questão de vontade política – “é só
baixar o juros”, “basta o governo investir” – e ignoram ou fingem ignorar que as políticas
que propõem foram implantadas no passado recente e fracassaram espetacularmente. Já
o ex-presidente Lula, notoriamente um pragmático, pode estar simplesmente agindo
politicamente e arquitetando uma saída que lhe seja mais conveniente, mas para efeitos
práticos está jogando mais lenha na fogueira, aumentando a incerteza quanto ao futuro e
contribuindo para inviabilizar ainda mais a recuperação econômica do país.
Fonte: Valor Econômico, 23/10/2015
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