Após a desastrada gestão de Dilma I, o país encontra-se duplamente desajustado em termos econômicos. Mas em vez de se encarar os problemas com realismo, há sinais de que se vai apostar numa saída miraculosa fadada ao fracasso. É a repetição da substituição de Simonsen por Delfim em 1979.
[su_quote]Como escreveu Marx, a história se repete, sendo na primeira vez como tragédia, e na segunda como farsa[/su_quote]
O primeiro desajuste, de caráter estrutural, é o fiscal. O governo Dilma I aumentou vertiginosamente gastos e concedeu generosas desonerações setoriais, transformando um superávit primário de 3% do PIB em um déficit de 1% a 2%, dependendo de como se reconhecem as pedaladas. Para corrigir tamanha desordem, seria preciso grandes cortes de despesas e aumentos de receitas. Mas, por imposição legal, somente 10% do orçamento é passível de cortes discricionários de gastos, e não há disposição e liderança para implantá-los; e os aumentos de receitas esbarram na resistência da sociedade a pagar mais impostos, diante já enorme carga fiscal do país.
O segundo desajuste, de caráter temporário, é o de preços relativos. Após as eleições de 2014, o represamento dos preços de combustíveis, da energia elétrica e da taxa de câmbio teve que dar lugar ao realismo tarifário e cambial. Para se impedir que a enorme pressão inflacionária, decorrente da abrupta elevação desses preços, contamine os preços livremente determinados em mercado, é preciso manter a economia temporariamente desaquecida. O desemprego provoca a queda de salário real necessária para reequilibrar uma economia em que, durante os anos dourados do boom de commodities, os salários subiram acima da produtividade do trabalho. Doloroso, mas aritmeticamente inevitável.
A correção dos males gestados durante Dilma I exigiria, portanto, algum desaquecimento, durante o qual se corrigiriam os preços relativos, seguido de reformas estruturais destinadas a se recuperar permanentemente o superávit primário. A retomada do crescimento só se tornará viável quando o governo conseguir convencer a sociedade de que a trajetória da dívida pública não é explosiva. Isso exigiria corajosas reformas que não dependem de Levy, pois são decisões eminentemente políticas.
Mas a recessão e a pressão inflacionária, agravada pelo avanço da operação Lava-Jato, derrubaram a popularidade presidencial. A persistir no ritmo atual, o PT será dizimado nas eleições municipais do próximo ano, o que reduzirá sua capacidade de eleger uma bancada federal minimamente significativa em 2018, sem falar na presidência. Para salvar o partido, Lula articula a substituição de Levy por Meirelles. Anuncia que o país voltará a crescer com a simples troca de comando na economia…
Em 1979 o Brasil passou por uma experiência análoga à atual, pois chegara ao fim de um ciclo de crescimento. Não tendo se ajustado à primeira crise do petróleo de 1973, o país acumulara uma alta dívida externa, tendo sido surpreendido por uma segunda crise do petróleo em 1979. A acelerada elevação dos juros internacionais tornava o ajuste inadiável. Diante da ampla indexação existente à época – a lei determinava a plena correção monetária anual dos salários –, se a necessária desvalorização cambial fosse adotada num ambiente de pleno emprego, a inflação dispararia. Era preciso primeiro desaquecer a economia para depois se desvalorizar a taxa de câmbio. Em abril de 1979, o então ministro Simonsen adotou em um plano de contenção de gastos e limitação do crédito destinado a desaquecer a economia.
Mas o país preferiu cair na tentação do caminho fácil. Em agosto, Simonsen foi substituído por Delfim, ex-ministro que havia conduzido o país durante o milagre econômico de 1968-74. A crise seria atacada acelerando-se o crescimento, e a inflação controlada com aumento da oferta de alimentos. Para isso, ampliou-se o crédito à agricultura, o que aqueceu a demanda agregada. Num ambiente de início de redemocratização, a insatisfação da classe média diante da alta inflação levou o Congresso a encurtar de anual para semestral o prazo de correção salarial. Essa mudança não apenas constituía um forte choque de custos, como ampliava a indexação da economia. Em dezembro, numa economia mais indexada e aquecida, adotou-se uma maxidesvalorização de 30%. Ao longo de 1980, a inflação superou a 100%, o que levou à reversão de políticas em outubro. A aventura de 1979-80 comprometeu mais de uma década de crescimento.
O que poderia Meirelles fazer que Levy não tenha tentado? Dilma lhe permitiria trocar todos os heterodoxos ainda encastelados em Brasília por gente de sua confiança? O PT, que em várias votações de medidas propostas por Levy se juntou à oposição para sabotá-las, seguiria a orientação de Meirelles? Para colocar o país na rota de crescimento seria preciso, além da dolorosa correção dos preços relativos, aprovar reformas profundas como as elencadas no documento intitulado Ponte para o Futuro divulgado pelo PMDB. Haveria ambiente para isso?
É pouco provável que Meirelles consiga fazer mais do que Levy tem conseguido. Mesmo que receba mais apoio político, seria suficiente para implantar as reformas estruturais de que o país precisa? Além disso, o discurso de seu padrinho é em essência o de anti-ajuste, ou mais sutilmente, o de ajuste e crescimento simultâneos, uma quimera heterodoxa que já se mostrou impraticável em vários momentos no passado. Como escreveu Marx, a história se repete, sendo na primeira vez como tragédia, e na segunda como farsa. Dessa vez, parte-se de uma farsa política para se gerar mais uma tragédia macroeconômica.
Fonte: Valor Econômico 18/11/2015.
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