Em entrevista ao “Opinião e Notícia”, o economista Marcos Troyjo explica como, em cinco anos, o Brasil deixou de ser o país do futuro para entrar em recessão
Há cinco anos, a economia brasileira estava a pleno vapor. Em 2010, o PIB do país alcançou um crescimento de 7,5%, a taxa de desemprego ficou em 6,5%, a menor desde 2002, e a inflação, em 5,91%, superava pouco mais de 1% a teto da meta estabelecida pelo governo.
Este ano, ao lado da Venezuela, o Brasil será uma das duas únicas economias da América Latina a registrar recessão. Segundo a última previsão do FMI, o PIB brasileiro deve encolher 3% este ano, e 1% em 2016.
Em agosto, segundo dados do IBGE, a taxa de desemprego chegou a 8,6%, a maior em quatro anos, e o número de desempregados não para de crescer. Para completar, a última previsão do Banco Central estima que a inflação deve chegar a dois dígitos este ano. O mais recente boletim Focus, divulgado pelo BC no dia 16 deste mês, aponta que o IPCA, índice usado para medir a inflação oficial, deve fechar 2015 em 10,04%.
Para entender o que fez a economia brasileira “virar do avesso” em apenas cinco anos, o “Opinião e Notícia”, conversou com Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade de Columbia, EUA, e especialista do Instituto Millenium.
Erros internos pesam mais do que a crise global
Segundo Troyjo, apesar de haver fatores externos que afetam a economia brasileira, o país foi, nos últimos anos, mais “vítima de seus próprios erros internos” do que da crise global.
“Se você olhar as 50 maiores economias do mundo, só três estão em recessão: Brasil, Venezuela e Rússia. O Brasil é muito mais vítima de seus próprios erros internos, sua falta de estratégia, sua inabilidade na condução de assuntos tanto de macroeconomia quanto de economia política do que pressões negativas do exterior.”
Para Troyjo, o momento de incerteza crônica que o país atravessa tem gerado a desvalorização do real e a queda na confiança do investidor.
“É uma combinação de fatores. Há a falta de credibilidade em relação à economia brasileira. A ideia de que o Brasil não consegue fazer reformas estruturais. A ideia de que a má gestão macroeconômica desses últimos cinco anos deixou rombos nas contas públicas que só agora estão sendo vislumbrados. Até agora, no penúltimo mês do ano, nós ainda não conseguimos estabelecer qual será o rombo em nossas contas públicas para 2015 e para 2016. A dificuldade de se passar no Congresso o ajuste fiscal, que vai dar algum equilíbrio às contas públicas nesse período. Tudo isso é absorvido pelo câmbio, que é um termômetro, e joga as perspectivas do país lá para baixo.”
No entanto, um dos maiores erros do governo, segundo Troyjo, foi não ter aproveitado os “tempos de bonança econômica” de cinco anos atrás para fazer as reformas mais urgentes do país.
“No período de maior bonança internacional, em que os ventos estavam soprando mais a nosso favor, não fizemos a reforma da previdência, a reforma do trabalho, a reforma fiscal, a reforma política. Não fizemos uma reforma da nossa política externa, sobretudo em termos comerciais, de modo que o Brasil fizesse parte desses novos acordos que permitem acesso privilegiado aos grandes mercados compradores do mundo. O Brasil acabou se beneficiando da boa situação macroeconômica anterior e deixou as reformas de lado. Agora, isso está cobrando a conta pesadamente. Provavelmente, o Brasil vai ter mais uma década perdida, em termos de crescimento econômico.”
Impacto da desaceleração da economia chinesa
Questionado sobre o impacto da desaceleração da economia chinesa no Brasil, Troyo diz não acreditar que esse tenha sido um fator determinante para o atual cenário pessimista do país.
“Em 2001, quando a China crescia mais de 10% ao ano, ela era uma economia de 2 trilhões de dólares. Então, neste ano, se ela crescer 6,5% ou 7%, ela cresce sobre uma base de 10 trilhões de dólares. Se olharmos o gráfico de exportações brasileiras para a China, que é um gráfico essencialmente dominado por minério de ferro e soja, veremos que os chineses estão comprando mais soja do Brasil e estão comprando mais minério de ferro do Brasil. Não é porque a economia deles está desaquecendo que eles estão comprando menos, eles estão comprando mais. Mas o fato é que existem mais fornecedores no mundo para esses produtos. A Austrália está produzindo mais minério de ferro, a África do Sul, a Rússia, o Canadá.”
Para Troyjo, o que está acontecendo é exatamente o oposto: a China está em um momento de grande investimento na América Latina, especialmente no setor de infraestrutura. “O premier chinês Li Keqiang, que esteve aqui em março, anunciou investimentos que estão na casa das dezenas de bilhões de dólares. O Brasil cada vez mais vai ser uma ponta receptora de investimentos diretos chineses. O problema é que a pauta de exportações brasileira para a China é muito dominada por minério de ferro e soja. Não tem nenhum problema em exportar matéria-prima, o problema é ficar apenas vinculado a esses bens. E isso acontece por uma série de razões. O custo de produção no Brasil é muito caro. Há muita burocracia para exportar. O custo dos tributos no Brasil é muito elevado. Toda a industrialização brasileira foi pensada para substituir importações, de modo a fornecer para o mercado interno, e não para exportar.”
Índia e Levy como “luz no fim do túnel”
Apesar dos problemas listados, Troyjo finaliza a entrevista afirmando “não ter dúvidas de que, em algum momento, o Brasil vai reencontrar o seu caminho”. E uma das alternativas é o investimento na Índia. Para Troyjo, o próspero cenário que atravessa a economia indiana pode beneficiar o Brasil.
“A Índia tem um PIB per capita de US$ 2.700. Se ela dobrar esse PIB, em cinco, seis anos, os indianos vão comer muito mais, ingerir mais calorias. Isso vai ser uma plataforma para exportações brasileiras de alimentos. Hoje, na Índia, existe uma única autoestrada que liga Nova Deli a Agra. Logo, se os indianos turbinarem também sua infraestrutura, vão precisar de commodities minerais, onde o Brasil tem vantagem comparativa. Então, vai ter muita janela de oportunidade boa para o Brasil.”
Outra esperança de Troyo é o trabalho do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. No entanto, essa aposta esbarra na crise política. “Eu tenho certeza que o Joaquim Levy é muito competente para fazer o reequilíbrio das contas públicas. Talvez, ele seja uma das melhores pessoas, senão a melhor, para fazer isso. Agora, ele encontra o ambiente necessário para que isso seja feito? Parece que não. A maneira mais clara de ver que essa dificuldade é gigantesca é a incapacidade de fazer que as medidas sugeridas por ele sejam aprovadas no Congresso.”
Fonte: Opinião e Notícia, 24/11/2015
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