Em fevereiro de 2003, logo após ter assumido a Presidência, Lula ficou sabendo – segundo ele, pelos jornais – que as agências reguladoras de energia e de telefonia haviam autorizado aumentos de tarifas. Prontamente, queixou-se de que as agências estavam “mandando no País” e que havia uma “terceirização do Estado”. A declaração ecoou entre seus ministros. Um deles, de Minas e Energia, pediu à agência do seu setor (Aneel) que procurasse estabelecer “tarifas módicas”. Seu nome: Dilma Rousseff.
[su_quote]Numa democracia, ninguém pode mandar; as várias esferas do Estado devem, em realidade, servir como freios e contrapesos umas às outras[/su_quote]
Lula e sua equipe não se atentaram para um princípio básico de regulação: a criação de agências independentes, geridas por especialistas com mandato claro e critérios técnicos, busca justamente disciplinar o poder do Executivo. Caso contrário, os setores não apenas poderão sofrer pressão populista do governo (“que caiam as tarifas!”), como também serão submetidos a grandes incertezas sobre quais políticas serão implantadas.
Já é consenso que a desconstrução do marco regulatório engendrada por Lula e a subsequente saraivada de intervenções discricionárias sob a batuta de Dilma contribuíram em muito para o desânimo do investimento privado que presenciamos até hoje. Até mesmo as mazelas do sistema estatal caem nessa conta. Com uma Agência Nacional do Petróleo forte, por exemplo, dificilmente Dilma e seus ministros conseguiriam mandar e desmandar na Petrobrás.
A conclusão de tudo isso, embora óbvia, não está no topo das prioridades do governo e dos legisladores: a reconstrução das agências reguladoras é condição primordial para estimular mais investimento privado, tão necessário para a retomada do nosso crescimento. As tarifas devem refletir condições de mercado, e não o que quer o Executivo; e a sua possível queda ao longo do tempo deve ser fruto de uma maior competição trazida por regras estáveis e que convidem novos entrantes. Infelizmente, o avanço dessa pauta não interessa ao tom intervencionista do atual governo, como também a grande parte do sistema político, que também vê nas agências oportunidades para loteamento de apadrinhados.
Apesar disso, ainda que um pouco fora dos holofotes, há algumas iniciativas em curso. Uma delas é o Projeto de Lei 495/2015, de autoria do senador Ricardo Ferraço. O texto propõe uma lei geral para as agências, definindo requisitos técnicos para o apontamento dos seus dirigentes e critérios mais claros sobre o seu mandato. Uma inovação importante é o resgate do protagonismo do Senado, já definido em lei, para o apontamento dos dirigentes. Propõe-se a criação de um mecanismo de pré-arguição aos candidatos, a fim de prover aos senadores informações mais detalhadas sobre a sua real capacidade técnica. Essa pré-arguição seria feita por especialistas com conhecimento e renome no setor, em sessão aberta ao público.
Há, ainda, o Projeto 52/2013, proposto pelo senador Eunício Oliveira e com o senador Walter Pinheiro como relator. Alguns méritos do projeto incluem uma melhor definição dos mandatos dos diretores e maior transparência na avaliação do desempenho regulatório. Porém, como apontado por Cláudia Viegas em artigo recente no Valor Econômico (20/11/2015), o projeto propõe uma vinculação direta da agência ao ministério do setor em que atua a partir de um “contrato de gestão”. Embora seja legítimo o ministério ter voz sobre políticas setoriais, essa vinculação direta pode exacerbar as percepções de futura intervenção pelo governo em exercício. Melhor seria se o desempenho das agências fosse monitorado por terceiras partes ou órgãos independentes de Estado.
Esperamos, assim, que os nossos legisladores não só deem prioridade ao resgate das agências, como também evitem repetir a visão, frequente e equivocada, de que cabe ao Executivo regular o regulador. Numa democracia, ninguém pode mandar; as várias esferas do Estado devem, em realidade, servir como freios e contrapesos umas às outras.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 25/11/2015.
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