O Brasil vive momentos desafiadores, mas não podemos em nenhum momento perder a visão de longo prazo: a economia brasileira e a educação tiveram algumas boas notícias nas últimas décadas. O trabalhador hoje tem mais anos de escolaridade e é mais bem pago, de acordo com o recém-lançado relatório do Banco Mundial “Sustentando Melhorias no Emprego e nos Salários no Brasil: uma Agenda de Competências e Empregos”. A educação média no Brasil, apesar de ainda baixa quando comparada com outros países, aumentou mais de 50% entre 1995 e 2010. É também notória a queda no desemprego e na informalidade nos anos recentes, embora certo cuidado com o agravamento da crise seja necessário.
Mesmo neste contexto de crise, o Brasil precisa sustentar estes ganhos. Uma das medidas mais importantes neste sentido é aumentar a produtividade do trabalho, ainda persistentemente baixa. De fato, para assegurar os ganhos salariais e, ao mesmo tempo, manter a redução já alcançada na desigualdade e na pobreza, com foco em aumentar as oportunidades de emprego para os mais pobres, é urgente investir em maior produtividade do trabalho.
Ora, isso só pode ser conseguido com investimento em educação de qualidade, em todos os níveis. Para tanto nada mais oportuno do que a discussão sobre a Base Nacional Comum Curricular. Temos de definir com clareza, quais são as competências que precisamos desenvolver nos estudantes para que eles possam ter o preparo necessário para uma atuação efetiva no mundo do trabalho e para uma vida plena como cidadãos. O problema é que as competências necessárias para isso são cada vez mais complexas e diversas, justificando a identificação de trajetórias educacionais alternativas, especialmente a partir do ensino médio.
O desenvolvimento de competências como leitura, interpretação de textos, raciocínio matemático e de aplicação de um repertório científico e cultural em problemas da realidade é importante para qualquer caminho profissional posterior. Essas competências devem ser trabalhadas nas escolas regulares e reforçadas em cursos profissionais ao longo da vida de cada indivíduo.
O relatório do Banco Mundial mostra que o Brasil tem apresentado avanços no ensino técnico e profissional, em especial na ampliação do acesso a essa modalidade de educação e na qualidade, conforme atestado na recente vitória do país na internacionalmente reconhecida competição WorldSkills. O aumento do interesse na educação profissional mostra que estamos no caminho certo, mas ainda fazemos pouco em comparação com outros países. A União Europeia, em 2010, segundo o Centro Europeu para o Desenvolvimento da Educação Profissional, tinha em média 49,9% dos estudantes do ensino secundário também matriculados na educação profissional. Na Áustria, por exemplo, que registra o índice mais alto, 76,8% dos estudantes do secundário fazem ensino técnico. A Finlândia vem em seguida, com 69,7%, e a Alemanha, com 51,5%.
[su_quote]O aumento do interesse na educação profissional mostra que estamos no caminho certo, mas ainda fazemos pouco em comparação com outros países[/su_quote]
No Brasil esse índice alcançou apenas os 7,8% em 2013, apesar da ampliação de vagas. Mesmo assim, não podemos deixar de celebrar que as matrículas em cursos técnicos de nível médio tenham crescido 88% no nosso país desde 2008 e escolas técnicas estaduais e federais se venham expandindo nos últimos anos. Observe-se, no entanto que, não por acaso, os países que têm destaque na formação profissional, também se saem bem no Pisa, o teste internacional de qualidade da educação, em que o Brasil, apesar de melhora recente, especialmente em Matemática, tem amargado a 58ª posição entre 65 países.
O Pronatec, iniciativa que buscou consolidar e integrar diferentes programas governamentais nesse segmento, teve importante papel, inclusive ao oferecer formação rápida como porta de saída aos egressos do Bolsa Família e aos mais vulneráveis – e, portanto, de empregabilidade bem mais complexa.
Mas ainda há muito a fazer. Uma mensagem transversal do relatório é a importância de fortalecer os sistemas de monitoramento e avaliação. No caso da educação técnica, isso seria conseguido por meio do rastreamento dos resultados, quer na aprendizagem, quer no mercado de trabalho dos formandos, e utilizar essas informações sistematicamente para informar a expansão dos programas de sucesso.
Outro ponto importante, segundo o relatório, é verificar se os currículos são relevantes e atualizados para a profissão em que se quer formar o aluno e também se a pedagogia é adequada para o que se quer alcançar. É essencial contar com profissionais que tenham uma vivência concreta do ofício, mas eles precisam ter também preparo para dar aulas, de preferência numa abordagem integrada na unidade de ensino. E melhorar, para a maioria dos provedores de formação, as parcerias com o setor privado e o acesso a estágios profissionais, melhorando, assim, o alinhamento do conteúdo dos treinamentos às realidades do mundo do trabalho. Nesse sentido, um destaque no relatório vai para os cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), que têm mostrado bastante sucesso na maior parte dos pontos aqui abordados.
O mais importante, contudo, é tornar o ensino técnico e profissional atraente para um número crescente de jovens, a fim de que eles possam contribuir com seus talentos para um desenvolvimento mais inclusivo e sustentável do país, sem ter a sensação de que se trata de opção restrita aos desfavorecidos pela sorte.
Essa é a grande lição da WorldSkills 2015. O Brasil mostrou que pode ter excelência em formação, embora para um ainda pequeno número de futuros profissionais. Agora cabe, mesmo em tempos de crise, associar essa realização a um aumento efetivo do número de alunos beneficiados por cursos técnicos e profissionais de qualidade e, dessa forma, impactar a produtividade do trabalho no nosso país.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 29/11/2015
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