Sempre entendi que as obrigações fiscais, sendo legais, devem ser cumpridas pontualmente. Estou a dizer uma obviedade, até porque todas as obrigações, e não só as tributárias, devem ser honradas em seu vencimento. Mas, em se tratando destes, a obrigação decorre da lei. No entanto, tantas têm sido as deformações acumuladas ao longo do tempo, que o lugar-comum não descabe. Isto não impede que nem sempre essa pontualidade seja observada pelo contribuinte, por motivos vários, inclusive a carência de meios.
Se estou a dizer essas vulgaridades, é porque o presidente da República encaminhou à Câmara quatro projetos de lei a respeito da matéria que, subvertendo os fundamentos do direito vigente, agridem frontalmente direitos e garantias individuais e retiram do Judiciário competências que lhe são inerentes para defesa e segurança das pessoas e da integridade da ordem constitucional. Ocorre-me salientar o fato de, sob este aspecto, as medidas agora propostas assemelharem-se às que inspiram o PNDH, o Programa Nacional de Direitos Humanos, igualmente ofensivo de cláusulas expressas da Constituição. Aliás, jornais da maior responsabilidade, em editoriais, têm examinado a filáucia oficial, a Zero Hora inclusive, em “Autoritarismo tributário”.
Impõe-se notar que do complexo administrativo um dos segmentos mais bem montados, em termos pessoais e técnicos, é o da Receita. Não lhe faltam meios para saber o que queira de quem quer que seja. Pois agora se pretende legalizar a mais ampla devassa sobre a sociedade inteira, da mais alta à menos relevante de suas unidades, afastado o Poder Judiciário. Quer dizer, em nome da celeridade, dispensam-se direitos e garantias constitucionais, entregando-se à burocracia fazendária imensos poderes, ignorando o direito à intimidade, à intangibilidade do domicílio, facultando a penhora de bens, sua avaliação e alienação, autorizando o uso da força para ingressar no recinto mais íntimo de brasileiro ou estrangeiro aqui residente, desdenhando assim a Constituição que a todos assegura a couraça de sua indisponibilidade.
O leitor poderá duvidar do que leu, porque o que lhe foi dado ler é simplesmente inacreditável; tivesse eu mais espaço e transcreveria alguns trechos do projeto de execução fiscal já em tramitação na Câmara. Limito-me a lembrar que, durante séculos, prevaleceu o modelo do “Regimento e Ordenação da Fazenda, de 17 de outubro de 1516”. Pois bem, esse Regimento quase contemporâneo da descoberta do Brasil foi mantido em suas linhas fundamentais por largo tempo e, depois da Lei 6.830, que hoje regula a matéria, se pretende ressuscitá-lo para “modernizar” a administração fazendária.
Fico por aqui, vexado e humilhado diante desse ostensivo retorno ao absolutismo que favorecia “a minha Real Fazenda” do rei de Portugal. E a propósito me ocorre lembrar que, infelizmente, o nosso país experimentou mais de um período de absolutismo e de ditadura onipotente de várias faces, mas nem nesses períodos nefastos se chegou a esses níveis nessa matéria.
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Entre tantos dissabores, devo aplaudir a iniciativa da RBS ao servir-se de seu complexo publicitário para convocar as energias sociais a fim de enfrentar o flagelo do crack, tão funesto como o terremoto, a enchente e a guerra.
(“Zero Hora” – 12/04/2010)
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