Visito o Museu do Amanhã na Praça Mauá no Rio de Janeiro. Praça Mauá em homenagem ao Barão de Mauá, o primeiro grande empreendedor brasileiro. Praça Mauá que, depois de décadas de abandono pelo poder público, volta a figurar entre os pontos preferidos do turismo da Cidade Olímpica. Nada como a cooperação entre grupos empresariais privados, como o Globo e o Santander, e governos responsáveis pelo desenvolvimento cultural, senão de um país, pelo menos de uma cidade, para a realização de projetos que poderiam estar em qualquer capital do mundo mais desenvolvido. Seguindo uma tradição já experimentada na criação de centros culturais de ponta, como os do Banco do Brasil, da Justiça Federal, e outros da própria Fundação Roberto Marinho como o MAR – Museu de Arte do Rio, o Museu da Língua Portuguesa, o Museu do Frevo, Museu do Futebol entre outros, tudo a partir de uma lei como a Rouanet, o país prova aos mais céticos que pode caminhar em direção ao futuro, como prescrevia Stefan Zweig há mais de meio século. Pena que estes avanços de experiências bem sucedidas se verifiquem apenas em setores avulsos, não se estendendo à expressão cultural do país como um todo.
Pena que esta parceria virtuosa, de poder público entrando com a cessão do patrimônio e a iniciativa privada com a capacidade de gestão, não se verifique em setores decisivos como segurança, infraestrutura, saúde e educação, por puro preconceito ideológico de uma prática política intervencionista e retrógrada.
O mesmo e fatal desgosto do grande escritor austríaco diante da tragédia de seu país, vejo que começa a ser experimentado pela maioria dos cidadãos e cidadãs brasileiros que tem se expressado nas manifestações de rua e da internet. Recebo pelas redes sociais da Aliança Nacional dos Movimentos Democráticos um levantamento amargo de apenas cinco índices que provam o retrocesso objetivo do Brasil nos últimos anos de governo Dilma (de 2010 a 2015): taxa do dólar (+ 144%), taxa de inflação (+ 78%), volume da dívida pública (+ 49%), valor da ação da Petrobras (- 76%) e índice Ibovespa (- 42%). Dentre estes, o que mais fere a já abalada autoestima da cidadania brasileira é a perda do valor da Petrobras, que foi outrora o próprio símbolo de nosso sucesso civilizatório. Uma companhia líder mundial na tecnologia de pesquisa petrolífera, que já esteve entre as quatro maiores do setor, retrocede ao tamanho que tinha há dez anos!
Não se trata, pois, de opinião política doutrinária. Trata-se de uma destruição deliberada de um dos maiores patrimônios públicos nacionais. E objetiva: a maior perda de valor de mercado entre todas as companhias listadas em Bolsa. Um exemplo loquaz do que chamo a corrupção dos valores morais de uma mentalidade esquerdista e populista que degradou a atividade política do país. A vanguarda do atraso, como se referiu o grande Millôr Fernandes à posse do Sarney há 30 anos. O que, juntamente com a promulgação da CF de 1988, dita “cidadã” pela pletora incontável de direitos sem a garantia de nenhum dever cívico, inaugurou a degradação de nossa impúbere democracia em demagogia generalizada.
O que Stefan Zweig via como o País do Futuro – visitem a sua Casa! – pela nossa tradição antropológica de promover a concórdia dos opostos, o consenso entre os díspares, acabou virando tolerância em face do atentado ao valor absoluto da vida e ao sequestro da esperança de todo um povo. Se o Brasil significou algum dia um exemplo de superação da escalada extremista da Europa da Segunda Grande Guerra, na verdade, hoje, se encontra mais perto de retroceder ao mesmo ambiente de baixa autoestima e alta degradação política e moral, econômica e social que se encontrava a Alemanha da República de Weimar, no período anterior àquela catástrofe civilizatória.
Para impedir este caminho rumo à autodestruição coletiva não bastam passeatas. O país precisa urgentemente de uma praça, uma ágora virtual, para se encontrar os representantes de nossa verdadeira elite de alguns poucos estadistas, com visão para além das próximas eleições; dos melhores de nossos servidores de carreira; de empreendedores não apenas socialmente responsáveis, mas também politicamente conscientes; de parte de nossa mais independente inteligência, não cooptada pelo estado; e das lideranças sociais da cidadania mais crítica e atuante, profissionais liberais dedicados a qualificar o debate de políticas públicas a partir inclusive de suas experiências privadas e com propostas para além de ideológicas e partidárias. Será nosso ponto de encontro e de partida para legitimar a democracia real da cidadania e não a demagogia formal dos políticos viciados em seus privilégios jamais cessantes, pois se não estão exercendo mandatos, estão em sinecuras de cargos comissionados.
Recentemente, o economista e exemplo de cidadão atuante Paulo Rabello de Castro propôs uma “Carta do Povo Brasileiro” como paródia à desmoralizada “Carta ao Povo Brasileiro” do Lula pré-mensalão. Embora o mérito das propostas, não repercutiu como o esperado talvez por ter escolhido o ambiente empresarial para sua publicidade. O duro golpe a nossa autoestima do mensalão, duplamente amargado pelo petrolão, embora sempre sublimado pela compulsão do auto-enxovalho diário da grande mídia, inviabilizou a possibilidade de persuasão e adesão a qualquer discurso oriundo de empresários e políticos profissionais dirigidos ao povo por mais bem intencionados que sejam. Para superar a crise de confiança generalizada só um novo discurso de cidadãos para cidadãos, fruto de um debate sério em torno de propostas objetivas e não genéricas, parido num outro ambiente, na nova praça virtual da democracia, as redes sociais, e apenas repercutido na grande mídia, sobretudo como inestimável serviço de reconhecimento de uma nova cultura política exercida pela cidadania mais atuante. Neste sentido, vale ouvir a proposta de debate tão oportuna feita por um verdadeiro agente de cidadania, o jornalista Fernão Lara Mesquita, discutindo uma nova relação de representação política entre o cidadão eleitor e o político eleito mandatário de sua vontade, através do instrumento de demissão sumária em casos de não cumprimento dos compromissos de campanha.
Pois não há crise de lideranças entre os cidadãos, nem de crença nos rumos tomados na sua vida concreta. Há crise entre os políticos. Se as tribunas das casas parlamentares estão vazias de discursos convincentes, se há crise de representação, que tal a grande mídia começar a nos apresentar a nós mesmos, atualizar suas páginas, recomeçar do princípio e mostrar que povo é apenas o genérico de cidadãos? É isto que nos unirá para retomar o caminho perdido de nossa civilização e resgatar para toda a nação o Amanhã confinado neste excelente museu.
Fonte: Revista “Época”, 14/01/2016
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