Ex-presidente do Banco Central e apontado para ser ministro da Fazenda caso Aécio Neves vencesse as eleições de 2014, Armínio Fraga considera o atual momento político-econômico brasileiro pior do que o início dos anos 90, quando, em plena hiperinflação e moratória, entrou na vida pública como diretor do Banco Central. Para Fraga, o Brasil perdeu o rumo durante o governo Lula, e acordou num “pesadelo de um país paralisado, com um modelo ruim que não está sendo corrigido”.
Cético em relação ao novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, ele diz que o antecessor, Joaquim Levy, aceitou o cargo por “coragem, com um pinguinho de sonho e loucura”. Fraga mantém-se convicto de que a situação do País seria outra em caso de vitória tucana, pois ele “jogaria no ataque”, com uma “grande mudança de regime econômico”, enquanto Levy “jogou na defesa”, para “segurar a barra e ver se conseguia ganhar tempo”. A seguir, trechos da entrevista à Agência Estado, concedida na quinta-feira, na sede no Rio da gestora Gávea Investimentos, da qual é sócio fundador.
Quais são os principais focos de preocupação econômica no mundo?
Acho que o epicentro ainda está mais na China, mas há também a sensação de que, se as economias principais derem para trás, não tem mais muito o que fazer, não há muito espaço fiscal e monetário. Não acredito que dê para ir tão longe no juro negativo, o que já vem ocorrendo em diversos países. Tem até relatórios de mercado falando que daria para ir até 4% de juro negativo, mas sou cético. Não há muita folga se tiver um problema. E todo o esforço dos bancos centrais até agora parece ter tido como efeito principal evitar outra depressão. Mas não muito mais. Do ponto de vista de inflação, pouquíssimo. Essas mudanças todas também estão afetando os bancos, que lidam com dinheiro, que está rendendo juro negativo. É uma margem de remuneração que desaparece. E aí há temores sistêmicos, envolvidos com problemas políticos de se proteger os bancos, é complicado. Outra questão é a alavancagem, que, ao contrário do que alguns suporiam, cresceu muito de 2007 para cá. Na China, por exemplo, as empresas aumentaram a alavancagem de 2007 para cá em 80 pontos porcentuais do PIB, mesmo com todo o crescimento do PIB chinês.
O sr. entrou na vida pública no governo Collor, um dos piores momentos econômico-políticos desde a redemocratização. Como compara aquela crise com a de hoje?
Sim, fui diretor do Banco Central em 1991 e 1992. O Brasil vinha de mais de dez anos de queda no PIB per capita, moratória, hiperinflação, uma situação caótica. Mas havia certa esperança de que poderia virar, já havia uma reflexão sobre a hiperinflação. Agora é muito diferente. Com a chegada do presidente Lula, parecia que o Brasil havia achado um caminho bom, com mudanças no lado social, e sem seguir a cartilha do PT, sem quebrar o Brasil. A frustração hoje é muito grande porque o Brasil chegou a bater na trave, fez vários gols nessa sequência de FHC 1 e 2 e Lula 1. Havia a sensação de que o País tinha uma agenda e de repente isso sumiu. Em algum momento, o País se perdeu completamente. Algo que veio junto com uma deterioração de costumes e da nossa política, que hoje é caótica, com quase 30 partidos. A sensação é que ninguém quer fazer qualquer passo mais ousado, qualquer sacrifício. O Brasil desembocou nessa situação meio fragilizado, dobrou as apostas todas, de expansão de crédito e fiscal, desleixo com a inflação, e acordou num pesadelo de um país paralisado com um modelo ruim, que não está sendo corrigido. É uma dinâmica econômica trágica, triste, algo inusitado para mim. Então, eu diria que, a meu ver, hoje está pior do que lá atrás, no início dos anos 90.
Como vê a questão da dívida pública?
Acho que nosso Estado está cheio de problemas, é grande, ineficaz e a dinâmica financeira é inacreditavelmente complicada. E isso em meio a uma brutal recessão. São os astros se alinhando negativamente, mas não vamos culpar o zodíaco – nós mesmos alinhamos esses astros de uma forma inimaginável, fora de qualquer proporção. Então, há essa evolução galopante da dívida federal, os Estados estão em péssima situação, e o pior é o meu querido Rio de Janeiro, porque somos de certa maneira um emirado petrolífero. O governo bloqueou as contas do Rio Grande do Sul outra vez. O governo federal não tem como ajudar. E o mal-estar vai aumentando, desordem urbana, insegurança, agora essa incrível epidemia de zika. É um quadro dramático.
O Brasil voltará a crescer num ritmo compatível com a convergência para os padrões dos países mais avançados?
Do jeito que a economia está hoje desenhada, mesmo que este ciclo passe – e não vai passar fácil –, não está com cara de que o País vai crescer muito. Há essa ideia de que possa ser cíclico, de se fazer um ajuste gradual. Na verdade, tem de ajustar muita coisa, porque senão não vai ser cíclico, não: isso é uma queda de padrão, é um degrau. Caiu e acabou. Para voltar, vamos ter de trabalhar muito.
Como viu a substituição de Joaquim Levy por Nelson Barbosa?
Achei estranho o Joaquim ter ido, e manifestei isso na época, como amigo dele. Acho que foi coragem, com um pinguinho de sonho e de loucura. Motivos bons, mas ele me surpreendeu. Infelizmente, deu no que parecia que ia dar. Porque um ministro da Fazenda, por melhor que seja, não é o presidente. Hoje, temos um novo ministro da Fazenda que foi o arquiteto de um modelo que deu errado. Portanto, tem de se provar em dobro. Como se a situação já não fosse complicada o suficiente, ele traz essa bagagem. Não é nada pessoal, tenho certeza de que ele quer acertar, mas parte em desvantagem no placar.
Barbosa tem defendido a CPMF e a reforma da Previdência. O que acha?
Não acredito que a CPMF vá resolver coisa alguma, é um imposto de péssima qualidade, cumulativo, causa distorções. O ministro está dando alguns sinais positivos, mas sem muita convicção, e tem vários públicos para agradar, inclusive o próprio PT. Nós precisamos é de uma recauchutagem geral da política econômica para dar a virada, o que passa por uma profunda reforma do Estado, que não deve acontecer sem uma importante reforma política.
O sr. não foi ministro da Fazenda por uma diferença pequena de votos entre Dilma e Aécio Neves. O que faria se Aécio tivesse ganhado?
O que eu faria é o que publiquei em artigos, inclusive no Estadão. É uma grande mudança de regime econômico, não é apertar um botão aqui e outro acolá. Precisamos de uma resposta muito mais abrangente e mais forte. Desvinculação de receitas; uma profunda reforma da Previdência, mexendo na idade e desvinculando o piso do salário mínimo; profunda reforma tributária; reforma trabalhista; abrir gradualmente a economia; desmontar a nova matriz econômica. Em paralelo a outros esforços, que trariam os juros para baixo para todo mundo. Um BNDES mais transparente e com mais rigor na análise do impacto social.
2015 foi um ano muito mais terrível do que o previsto. Isto não comprometeria também o desempenho de Aécio caso vocês ganhassem?
Nós sabíamos com bastante precisão o quadro fiscal geral. Estava claríssimo que, já durante a campanha, o governo tinha chutado o pau da barraca. O resultado disso é bem conhecido hoje. O Aécio acreditava que seria possível fazer um arranjo político bom e nós tínhamos uma proposta que creio que teria um impacto muito positivo nas expectativas, criando um círculo virtuoso. Que ia ser difícil eu não tenho dúvida, mas o clima ia mudar muito rapidamente.
O sr. diz que a vitória de Aécio poderia dar uma virada na confiança. Mas não foi isso que se tentou, sem sucesso, com a nomeação de Levy?
O Joaquim era ministro, não era presidente. E ele estava razoavelmente consciente de que a missão dele era mais defensiva do que ofensiva. Segurar a barra, ver se conseguia ganhar um tempo. Trouxe boas propostas, falou do patrimonialismo. No meu caso, ia ser diferente. Eu iria com uma equipe extraordinária, muito completa, com o presidente alinhado, com a proposta apresentada em campanha. Eu fui contratado para jogar no ataque, e não na defesa. O Joaquim foi jogar na defesa, uma opção que ele fez. Eu respeito.
Qual sua visão sobre o impeachment?
A minha posição é institucional. Acho que é legítimo, desde que ocorra dentro do devido processo. Se acontecer, é porque tinha de acontecer, e eu não teria medo, desde que fosse assim.
Como avalia a situação inflacionária?
Estamos falando de dois, três anos de profunda recessão com a inflação alta. Alguns preços que estavam represados foram liberados, isso foi importante, e o câmbio se depreciou, como tinha de acontecer. Feitos esses ajustes, daqui para a frente a inflação tenderia a cair. Isso é possível, mas não é certo. As expectativas ainda estão muito voláteis. Esse estado de estagflação pode se prolongar, inclusive com pressões no câmbio. Estamos correndo bastante risco. Com essa recessão, a inflação deveria estar caindo bem mais.
E a atuação do Banco Central?
Entendo a dificuldade do BC nos anos recentes, num quadro bastante esquizofrênico. Você quer segurar a inflação, e o governo expande mais o crédito dos bancos públicos, expande o fiscal, faz pedalada etc. É uma tarefa muito inglória. Nesse contexto, o Banco Central teve, sim, alguns momentos de fraqueza, lamentavelmente. Mas muitos BCs têm. O Banco Central não é o nosso maior problema.
O sr. tem alguma esperança no Brasil?
Decrescente.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 14 de fevereiro de 2016.
No Comment! Be the first one.