Delfim Neto costuma repetir que o funcionamento do sistema econômico, numa democracia, deve conciliar o mercado e a urna. Políticos, premidos pela necessidade de conquistar eleitores, gostariam de ignorar os limites impostos pela realidade, mas estes acabam se fazendo presentes. Por outro lado, as prescrições dos economistas não podem ignorar o fato de que os partidos precisam vencer eleições para conservar ou conquistar o poder. Do cotejo entre essas duas forças emergem situações econômicas mais ou menos consistentes ou governos mais ou menos demagógicos.
A reflexão feita a seguir se inicia com um episódio formalmente ainda pertencente ao ciclo militar de 1964/85, mas no qual a chamada a chamada “voz das ruas” já se fazia notar e se completa com a experiência dos dias de hoje.
Em três dos quatro casos aqui tratados, o terceiro ano de uma crise revelou-se crítico para o governo, que não resistiu à força dessa realidade ou das perspectivas.
O primeiro caso, que antecedeu à redemocratização, mas a explica e se deu num contexto no qual os militares não podiam mais ignorar o poder da opinião pública, foi o de 1981/83. Quando, no final de 1980, a fonte de financiamento externo “secou” por ocasião da segunda crise do petróleo, o Brasil parou, fazendo jus à velha máxima atribuída a Simonsen de que “inflação dói, mas balanço de pagamentos mata”. Depois de uma recessão terrível em 1981, quando o PIB encolheu 4,3%, houve uma pequena recuperação em 1982, seguida, após as eleições daquele ano, de nova queda intensa do PIB, de 2,9%, em 1983. Foi na sequência dessa sucessão de números péssimos do PIB que, em janeiro de 1984, iniciou-se a campanha das “Diretas já” que empolgaria o país, conduzindo depois à vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral.
O segundo caso foi o de 1990/1992. Em 1990, devido ao congelamento de ativos do Plano Collor, o PIB teve uma contração igual à de 1981: 4,3%. Após a injeção de liquidez, em 1991 houve uma melhora, seguida de nova redução do PIB, de 0,5%, em 1992, para poder ajustar a economia a um setor externo que passava por uma grande mudança, diante do desaparecimento do financiamento. Com o mesmo espírito que J. Carville captaria ao mesmo tempo no eleitorado dos EUA para explicar o mal estar com as políticas de Bush, mediante o célebre bordão de “é a economia, estúpido”, foi esse o pano de fundo que levou a população a pedir o “impeachment” de Collor, que acabou renunciando no final de 1992.
O terceiro foi um caso um pouco diferente. Depois de um bom ano de 2000, quando a economia parecia pronta para “decolar”, a crise energética de 2001 comprometeu dois anos: o próprio e o ano seguinte. Embora as taxas de 1,4% e 3,1%, respectivamente, soem até razoáveis dadas as circunstâncias, tal desempenho foi apresentado na época pela oposição como a expressão maior do suposto fracasso da política econômica da época. Assim, o eleitorado, pressentindo que 2003 seria um ano de novas dificuldades, recusou estender um crédito de confiança ao candidato Serra, derrotando o PSDB nas eleições de 2002, vencidas pelo PT.
Chegamos então ao quarto caso, nos dias atuais, quando o governo Dilma Rousseff, depois de ter apresentado um crescimento pífio de 0,1% em 2014, enfrentou uma contração do produto de quase 4% em 2015 e arrisca-se a ter uma nova e expressiva queda do produto em 2016, configurando a primeira vez, desde que as contas nacionais começaram a ser apuradas no Brasil, em que a produção encolhe durante dois anos consecutivos, coisa que não ocorreu nem em 1981/83 nem na crise de 1990/92 – durante 2001/03, o PIB não encolheu nunca.
Tal retrospecto sugere que a presidente Dilma corre certo risco, sem entrar em considerações jurídicas acerca do mérito das causas em julgamento. A análise acima não significa que ela perderá o cargo, mas sugere que, nas inflexões de 1984, 1993 e 2003, estiveram presentes uma mudança ou uma perspectiva de mudança nos rumos do país, que não está presente no momento. Não há precedentes no Brasil democrático de uma condução mal avaliada, com resultados negativos e que se prolongue por mais de três anos. Se a economia não contar com a ajuda da política, o único elemento de otimismo para a economia em 2017 e 2018 virá do setor externo. Nesse caso, haja aumento das exportações para alavancar uma economia em pandarecos como a que teremos no final de 2016! Se a tendência continuar naqueles dois anos, no futuro, comparativamente, com desemprego em 11% ou 12%, a “voz rouca das ruas” de 2013 talvez seja vista como um simples coral.
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2016.
No Comment! Be the first one.