É paradoxal, mas a experiência confirma: a atração dos governos pela privatização aumenta na crise, justo quando há menos interessados em comprar ativos estatais. Três fatores explicam isso: o desejo de agradar ao mercado, sinalizando o compromisso com reformas; a esperança de deslanchar investimentos; e a necessidade de aliviar as contas públicas.
Não é diferente com o atual governo, cujo apetite pela privatização cresce conforme a crise avança. As concessões de transportes buscam recuperar a confiança e gerar investimentos. A privatização das distribuidoras da Eletrobrás visa eliminar prejuízos e levantar recursos. A venda de ativos da Petrobras pretende evitar que a União precise capitalizar a empresa, agravando a situação fiscal, com sérias repercussões macroeconômicas.
Obviamente, melhor teria sido privatizar quando o Brasil estava bombando, o petróleo era negociado a US$ 110 o barril, e a Petrobras valia cinco vezes o que vale hoje. Não só o Tesouro ganharia mais, mas o impacto sobre o investimento seria maior. Além disso, talvez se evitassem alguns dos “malfeitos” que tanto prejudicaram as estatais — especialmente a Petrobras — e as contas públicas.
Mas, mesmo sendo feitas no sufoco, as privatizações planejadas pelo governo podem trazer benefícios para o país. Para que esses ocorram, porém, é preciso que as privatizações sejam bem feitas. E a esse respeito há espaço para melhorar.
Considere-se o caso da Petrobras, que o governo está privatizando aos pedaços. A empresa pretende vender neste ano ativos avaliados em US$ 14,4 bilhões. Isso inclui o controle e participações minoritárias em termelétricas, petroquímicas, fábricas de fertilizantes, transportadoras de gás, e as operações da empresa em outros países. Não é pouca coisa. Basta ver que hoje o valor de mercado da Petrobras é de apenas US$ 19 bilhões e que os ativos privatizados nos seis primeiros anos do Programa Nacional de Desestatização, abrangendo os governos Collor, Itamar e o início de FHC, valiam juntos US$ 13,7 bilhões.
Ocorre que a privatização agora se dá com menos transparência e controle social do que nos anos 1990. Pouco se sabe dos critérios de escolha de ativos, compradores ou preços de venda. Isso preocupa, já que foi na Petrobras que ocorreram os “malfeitos” revelados pelo Petrolão, que custaram US$ 36 bilhões à empresa, nas suas próprias contas.
É verdade que a Petrobras, como qualquer grande empresa, tem controles internos, além de ser fiscalizada por TCU, CGU e Ministério Público. Também é verdade que a empresa tem alguns bons quadros, inclusive na sua direção executiva e no Conselho de Administração. Mas tudo isso já era verdade antes, o que não impediu os “malfeitos”.
É de se esperar que, após o Petrolão, se corrigiram alguns problemas e o controle externo, inclusive da mídia, seja mais intenso. Mas quão melhores são hoje esses controles? Quão mais efetivos serão eles na venda de ativos do que foram na compra de Pasadena ou na obra de Abreu e Lima, por exemplo? Serão eles capazes de impedir que “malfeitores” sejam infiltrados nesse processo e causem novos prejuízos? Para alguns investidores importantes da Petrobras, como o governo da Noruega, não se pode afastar esse risco.
E para que correr esse risco, se se pode evitá-lo? Por exemplo, recorrendo ao instrumental desenvolvido nos anos 1990 para garantir transparência nas privatizações. Ele passa pela seleção criteriosa e estratégica dos ativos a serem vendidos; reestruturações que valorizem as empresas a serem alienadas; avaliações independentes do valor dos ativos; auditoria externa de cada operação; e leilões de privatização competitivos, realizados em público e com ampla publicidade prévia.
Já há legislação regulamentando esses procedimentos. E a própria Petrobras tem experiência com eles, uma vez que era dona de alguns dos ativos vendidos no início dos anos 1990 (participações em petroquímica e fertilizantes).
Além de mais transparente, esse procedimento também dá mais segurança jurídica, o que valoriza os ativos a serem privatizados. Decisão do juiz federal João P. P. de Abreu, de final de janeiro, ilustra esse ponto. O juiz expediu liminar suspendendo a venda de 49% da Gaspetro, uma subsidiária da Petrobras, por US$ 700 milhões. A decisão apontou que faltou transparência na negociação, em especial sobre o valor da venda. Além disso, levantou a suspeita de que não se cumpriram as exigências legais na venda, em si outra avenida de discussão.
A Petrobras tem compreensível urgência em privatizar, pois precisa do dinheiro para pagar sua dívida. Também há pressa nas outras privatizações, como também havia nos anos 1990. Mas a experiência mostra que privatizar com transparência, ainda que demore mais, gera melhores resultados no longo prazo. Ainda mais quando, como agora, os valores envolvidos não são pequenos. Depois de se avançar nos objetivos, é hora de cuidar dos procedimentos.
Fonte: “Valor Econômico”, 5 de fevereiro de 2016.
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