A semana pós-Carnaval foi intensa. A decisão do STF restringindo o recurso em liberdade em caso de condenação criminal em segunda instância vai revigorar a Lava Jato, com repercussões nas áreas política e empresarial. A briga pela liderança do PMDB na Câmara dos Deputados deixou claro que o governo terá mais um ano difícil no Congresso. E o noticiário mostrou que a crise econômica não tirou férias, nem brincou carnaval: os dados de atividade, mercado de trabalho e fiscais seguem piorando (ver aqui).
Aonde vai dar tudo isso? Ninguém sabe: muita coisa pode acontecer, inclusive nada. Como não dá para adivinhar, cabe olhar os cenários mais plausíveis.
O governo e a maior parte do mercado financeiro apostam em um cenário de gradativa deterioração, mas sem ruptura. Traduzindo: forte queda do PIB, grande contração do investimento, quebra de empresas, piora do mercado de trabalho, inflação alta, deterioração do quadro fiscal, e mais conflito político, mas com a Presidente concluindo seu mandato.
Esse cenário se baseia em três pilares. Primeiro, baixo risco de uma crise de financiamento externo, pois a recessão, a queda do investimento e a desvalorização do real estão reduzindo fortemente nosso déficit externo. Também o grande volume de reservas e a elevada liquidez internacional contribuem para isso. Esse quadro atrai o investidor interessado nos altos juros pagos pelo governo e em ativos reais negociados a preços historicamente baixos. Por esse lado, portanto, é improvável haver ruptura.
Segundo, apesar da escalada do desemprego, o emprego e a renda caíram pouco (ver aqui). Até aqui, o desemprego subiu porque muita gente que estava fora da força de trabalho voltou a procurar emprego. E quem perdeu emprego com carteira assinada conseguiu se recolocar como conta própria ou em empregos domésticos.
Terceiro, se acredita que o governo conseguirá controlar a velocidade do agravamento da crise. Para isso contribuem as Olimpíadas e as eleições municipais este ano, que vão tirar a atenção de sobre a crise. O avanço da Lava Jato também abre oportunidades para arranjos políticos com quem receia estar envolvido, na política e nas empresas, e dá à oposição a sensação de que a eleição de 2018 lhe cairá no colo. E quanto mais o tempo passar, menos atraente fica forçar a troca antecipada de governo.
Na economia, o governo tentará ganhar tempo com cada vez mais impostos; alguma contenção de gastos; muitas promessas, não cumpridas, mas sempre renovadas; e ocupando espaço na mídia com a discussão de reformas que, de fato, não deseja, nem é capaz de implementar. E, como na política, a aproximação das eleições de 2018 e a perspectiva de reformas com uma novo governo porão um freio à queda do preço dos ativos e à deterioração da economia.
Esse é o plano de voo. Resta perguntar, como fez Garrincha a Feola, se tudo isso já está combinado com os russos: em especial, a base de apoio do governo e os investidores.
A deterioração econômica no próximo biênio será brutal. A renda per capita deve retroceder em 2017 ao nível de 2008. A alta do desemprego e a piora da qualidade dos postos de trabalhos vão ser significativas, gerando grave deterioração de indicadores sociais e reduzindo o acesso da “nova classe média” a bens e serviços que ela passou a “chamar de seus”.
É pouco provável que isso se traduza em manifestações de rua. Mas para a viabilidade eleitoral dos políticos que ora apoiam o governo será um desastre. Muitos deles se reposicionarão como oposição (ver aqui), clamando por políticas heterodoxas. Isso obrigará o governo a optar entre o isolamento político ou uma guinada mais forte em direção a um cenário de populismo econômico.
A consequência mais assustadora da falta de ajuste fiscal é a rápida escalada da dívida pública, que deve superar 80% do PIB em 2017, contra 51,7% do PIB em 2013. O governo espera deixar essa bomba-relógio para ser desarmada pelo próximo Presidente, mas ela pode perfeitamente estourar no seu próprio colo. Isso pode ocorrer se as pesquisas eleitorais não tranquilizarem os investidores quanto à disposição e à capacidade do próximo governo de atacar esse problema com a força e presteza que ele exige. Nesse cenário o dólar e a inflação disparam.
Que cenário irá prevalecer dependerá da velocidade e intensidade com que esses vários fatores – recessão, crise fiscal, apoio político, investigações – irão se mover. A hora é de monitorar tudo isso, esperar pelo melhor e se preparar para o pior.
Fonte: Correio Braziliense, 24/02/2016.
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