Na União, a participação dos itens Previdência, assistência social e pessoal está perto de 75% do gasto total. Isso significa que o Produto Interno Bruto (PIB) não pode ter um desempenho inferior a algo entre 4% e 5% ao ano, pois o gasto, na melhor hipótese, cresce 6% acima da inflação. Se a receita não crescer próximo de 6%, o que depende de o PIB aumentar suficientemente, caminha-se para uma crise fiscal. O governo não viu isso quando pôs em prática as políticas erradas que geraram a recessão que nos aflige desde 2014. Conforme estudo que elaborei com colegas em 2013, o pior é que, se não houver reforma, o gasto da União com esses itens, que em 2011 alcançava 11% do PIB, simplesmente dobrará em termos reais até 2040.Ou seja, o caos.
Nos Estados, o problema do gasto de pessoal excessivo, incluindo a previdência dos servidores, aparece com toda a força. Em vários, apesar dos limites legais, o gasto com pessoal ultrapassa 70% do total.
Em resumo, o governo tinha um diagnóstico errado, provocou queda no crescimento do PIB numa situação que normalmente já seria desfavorável ao crescimento – pois no Brasil se poupa muito pouco – e, depois, assistiu inerte à crise fiscal, que realimenta a desaceleração da economia. Se a conta não fecha, o risco do País aumenta, os investimentos privados se retraem e entramos num círculo vicioso.
Com uma base de sustentação operando com práticas rejeitadas pela Justiça, agregou-se ao problema econômico uma crise política de gigantescas proporções. A consequência é que o País está chegando à beira de um precipício nunca antes verificado, com governo e Congresso desacreditados, e a população imersa numa espiral inédita de desemprego, baixos salários e alto risco de volta da hiperinflação.
Outro ponto é o rompimento, pelo atual governo, do acordo implícito entre a União e os Estados, firmado na última renegociação de dívidas. Pelo acerto, a União comandaria a geração de um elevado superávit fiscal, com os Estados participando com 26% do esforço. Para isso, e como supostos vilões da história, estes se tornariam, a partir de 2000, virtuais departamentos financeiros da União, que exerceria o papel de “mocinho” no novo filme. Pelo roteiro, o Executivo imporia contratos capazes de assegurar os repagamentos das dívidas renegociadas e proibiria qualquer tomada de novo empréstimo sem passar pelo Ministério da Fazenda.
Esqueceu-se, contudo, de que a União poderia vir a ser o vilão da história mais adiante, e os Estados, mesmo não virando mocinhos, serem completamente estrangulados financeiramente. É o que temos hoje, com Estados como o do Rio de Janeiro anunciando um déficit potencial ao redor de R$ 20 bilhões em 2016, graças à recessão causada pela área federal e à desabada do preço do petróleo, sem poder usar a válvula da emissão monetária, que hoje só a União detém, e que assim financiou, em 2015, um déficit inédito de R$ 117 bilhões. Sem opção, os Estados jogaram seus déficits para debaixo do tapete, deixando a hora da verdade para 2016. Sinais de desorganização já se mostram com força, e a tendência dos analistas será de enxergar apenas o lado ruim das gestões estaduais.
Diante da gravidade da situação, e deixando de lado as soluções do impeachment ou da renúncia presidencial, uma frente de governadores deveria assumir a liderança do processo de reforma da Previdência, assistência social e pessoal, construindo uma aliança com o Executivo e lideranças relevantes do Congresso. É o caminho para promover as mudanças básicas que, com apoio da sociedade em geral, cada vez mais desesperada por soluções à medida que tudo se agrava, trarão os investimentos e o crescimento de volta.
Ressalte-se, contudo, que somente num contexto de reformas amplas e para valer, como essas, é que haverá credibilidade suficiente para os mais exigentes apoiarem medidas temporárias de salvamento dos entes mais afetados pela crise, mesmo sob a ameaça de caos em áreas como segurança e saúde, especialmente num ano em que o País sedia a Olimpíada.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 10/03/2016.
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