Se der tudo certo, a economia brasileira vai encolher 6,69% na metade inicial do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Será a primeira sequência de dois anos de recessão desde a crise dos anos 30 do século passado, como lembrou o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, repetindo comentário de um analista. “Tudo certo”, nesse caso, refere-se à projeção mais otimista: uma contração de 3% a partir da base rebaixada pelo desastre de 2015, quando o produto interno bruto (PIB) diminuiu 3,8%, segundo a primeira estimativa oficial. Em outras bolas de cristal o resultado previsto para este ano fica entre – 3,5% e – 4%. Mas a devastação econômica é apenas a parte mais vistosa da obra de dona Dilma. Em princípio, qualquer governo pode provocar uma recessão se cometer um grande erro ou uma sequência de equívocos menores, mas bem escolhidos. A façanha da presidente brasileira – de fato, iniciada por seu antecessor e por ela completada – é muito mais espetacular e raramente registrada na História.
Sem bomba, sem sangue e sem arroubos dramáticos, ela foi muito além do anarquismo tradicional, irrealista e fracassado, e terminou o desmonte do governo por dentro. Não do governo de um país minúsculo ou de um Estado corroído pela guerra interna, mas de uma das dez maiores economias do mundo. Mais que isso: em vez do Estado mínimo, sonho radical do neoliberalismo, produziu o governo mínimo, ou, com um pouco mais de precisão, tendente a zero. O Estado sobrevive, como indica a firmeza da Operação Lava Jato, mas com danos consideráveis.
Sem apoio do próprio partido, incapaz de se entender com a base parlamentar e sem propostas claras para consertar a economia, esse governo zumbi nem mesmo consegue definir um rumo para suas ações. Pouco depois da reeleição, no fim de 2014, a presidente Dilma Rousseff procurou um nome com prestígio no mercado para comandar, na Fazenda, um programa de estabilização. Teria de ser um gestor preparado para fazer o papel de durão e promover os ajustes mais penosos. No ano seguinte ela mesma torpedeou essa política, prestigiando as opiniões do então ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, um dos pais da fracassada – e desastrosa – “nova matriz macroeconômica”.
Transplantado para o Ministério da Fazenda, Barbosa acabou assumindo, sem muito jeito, o discurso do ajuste e das mudanças estruturais. Mas sua proposta para a política orçamentária abriu espaço para um déficit primário (sem a conta de juros) de até R$ 60,2 bilhões, ou 0,97% do PIB estimado para o ano. Formalmente o governo ainda está comprometido com um superávit primário de cerca de R$ 24 bilhões, mas ninguém leva isso a sério.
Nada se espera, por enquanto, da possível agenda de reformas, exceto uma proposta, ainda pouco clara, de reforma da Previdência. O PT opõe-se a qualquer ideia de austeridade – embora nenhum sinal de política austera tenha surgido até agora – e prefere adiar a proposta de alteração do regime previdenciário. Defende, além disso, o uso de reservas cambiais para ações de estímulo ao crescimento, uma irresponsabilidade já contestada também pelo ministro Barbosa.
Nesta altura, até o complacente gradualismo defendido pelo ministro da Fazenda parece uma ortodoxia digna da tradição de Chicago, quando comparada com as alucinações do programa petista.
Sem uma presidente com força e convicção para sustentá-lo, e sem um verdadeiro governo engajado em sua política, o ministro é forçado a se entender com a cúpula petista. Seu comparecimento ao seminário organizado pelo Instituto Lula, na quinta-feira, nada mais foi do que uma prestação de contas ao partido e uma tentativa de obter as bênçãos dos caciques petistas. Nenhum dos chefões se comprometeu com o ministro. Sua posição no governo zumbi se torna dia a dia mais parecida com a de seu antecessor e ele deve ter consciência desse fato.
Novos estímulos de curto prazo serão insuficientes para a retomada do crescimento, sem ações de maior alcance, havia dito o ministro em Brasília, antes do seminário petista. Mas o governo pouco tem feito além de propor medidas de efeito limitado e, mais que isso, muito duvidoso, como o aumento do crédito fornecido por bancos oficiais. É preciso um mínimo de confiança para ir atrás de novo financiamento. Essa confiança inexiste, até porque fica mais difícil, a cada dia, enxergar através da névoa criada pela combinação das crises política e econômica.
Quanto à agenda de reformas, nem sequer foi esboçada com um mínimo de clareza. Qualquer pessoa pode incluir nessa pauta a mudança da Previdência, a revisão tributária, a desburocratização e a desvinculação de verbas orçamentárias. Mas nem sobre esses tópicos há acordo entre os ministros e entre o governo e sua base. Além disso, onde estão as propostas claras e razoavelmente formuladas? Onde está, por exemplo, o projeto de um sistema tributário compatível com a busca da eficiência e da competitividade?
Loteamento, apadrinhamento, inchaço, gastança irresponsável, prioridade a interesses partidários, distribuição de favores fiscais e financeiros e desprezo ao profissionalismo e à competência devastaram o governo e a economia. Não se chegou de um dia para outro a um déficit público nominal equivalente a 10% do PIB, um dos maiores do mundo, nem ao atoleiro da estagflação. Não só o governo foi devastado. Também a máquina do Estado foi severamente danificada, como comprovam as descobertas da Operação Lava Jato e poderão comprovar investigações em outra áreas.
Qualquer governo, em outro país, precisaria de muito esforço, muita negociação, muita competência e muita força política para resgatar a economia de um atoleiro parecido com a estagflação brasileira. No Brasil o desafio é muito maior: como recompor e reanimar o sistema produtivo quando só se dispõe de um governo zumbi?
Fonte: O Estado de S.Paulo, 13/03/2016.
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