Uma empresa enfrenta um período de incerteza, durante o qual poderá enfrentar desembolsos expressivos, mas não sabe nem quando estes ocorrerão nem seu valor preciso. Como sua geração de caixa não é suficiente, tratou de tomar dinheiro emprestado, antes que viesse a precisar dele, partindo do pressuposto (geralmente correto) de que crédito costuma ser mais abundante antes de se tornar necessário.
Desde então mantém recursos em caixa, devidamente aplicados, é claro, mas a uma taxa de juros menor do que a que paga pelo empréstimo. Perde dinheiro, porém encara essa despesa como um seguro: sabe que os recursos estarão disponíveis quando (e se) forem requeridos, garantindo sua sobrevivência em tempos turbulentos.
Palpiteiros, que sempre há de sobra, contudo, sugerem que a empresa use o dinheiro em caixa para novos gastos, que, segundo eles, terão efeito positivo perante os acionistas da companhia. O diretor financeiro se recusa, mas a presidente, influenciada pelo seu antecessor no cargo (e palpiteiro-mor), balança.
É óbvio que a ideia não presta. Caso gaste o que tem em caixa, a empresa não só fica sem ter como enfrentar eventuais desembolsos (o que piora a qualidade do seu crédito) como perde as condições de pagar o que tomou emprestado para formar seu “colchão de liquidez”. Caso a presidente caia no conto dos palpiteiros, corre o risco de quebrar a empresa.
É também óbvio que se trata de uma metáfora do Brasil e da ideia cretina de usar as reservas hoje no Banco Central para aumentar o gasto.
À parte as limitações legais (que, diga-se, sempre podem ser contornadas no país da pedaladas), essa proposta teria efeitos desastrosos. Como as reservas foram constituídas por meio de endividamento (o BC as comprou com dinheiro que criou, mas, em seguida, trocou por títulos da dívida), usá-las significaria ter menos recursos para pagar o que deve, como a empresa em nosso exemplo.
Em segundo lugar, caso as condições externas piorem e os mercados de crédito se fechem para o país, teríamos que reduzir o deficit externo ainda mais rápido do que estamos fazendo, o que tipicamente exige queda do consumo e investimento, assim como contração mais aguda dos gastos públicos, ou seja, ajuste fiscal ainda mais urgente do que hoje.
É possível, claro, argumentar que temos reservas em excesso, mas, se esse for mesmo o caso (o que não sabemos), o curso ideal de ação seria usar esse excedente para reduzir a dívida ou liquidar os swaps cambiais. Em qualquer uma dessas circunstâncias a solvência do governo melhoraria, desde que fosse realmente verdade que o atual nível de reservas supera por larga margem o apropriado para a atual situação do país, pergunta ainda não respondida.
Por fim, note-se que nosso problema não é a falta de gasto público, que vai muito bem, obrigado, crescendo firme e forte há pelo menos 24 anos. O problema é gasto demais com eficiência de menos, questão que palpiteiros fingem não ser com eles. (Houve um que, há pouco, afirmou ter havido redução do gasto no atual governo, vejam só!)
Soluções mágicas não faltam; faltam soluções mágicas que funcionem. Enquanto essas não aparecem (e jamais aparecerão), melhor seria que os palpiteiros guardassem para si as asneiras, com sua defesa da Nova Matriz Econômica.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 16 de março de 2016.
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