Quando o assunto é acesso a redes de água e esgoto, ou ainda o tratamento de dejetos, a cidade olímpica está bem longe do pódio. É o que revela um levantamento da ONG Trata Brasil divulgado ontem sobre serviços de saneamento nas cem maiores cidades brasileiras. No ranking, o Rio aparece apenas na 50ª posição. Entre as capitais, está em 11º. E, no próprio estado, em quinto, ficando atrás de Niterói, Petrópolis, Campos e Volta Redonda, municípios onde o saneamento é administrado por concessionárias privadas. Os dados foram compilados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento de 2014, o mais recente estudo feito pelo Ministério das Cidades.
No levantamento divulgado pela Trata Brasil em 2015, o Rio aparecia em 56º lugar, mas, de lá para cá, algumas metologias mudaram e, segundo os pesquisadores, a comparação da nota geral não é mais possível. Entretanto, pode-se dizer que, em alguns indicadores, houve melhoras, embora pequenas. Em 2013 (ano em que os dados foram levantados), 91,36% da população tinham acesso à água potável (contra 91,62% hoje), 81% eram atendidos pela rede de esgoto (atualmente são 83,11%) e 47,18% dos dejetos eram tratados (o percentual praticamente não mudou: 47,2%). Os números coletados pelo Ministério das Cidades são informados pelas próprias concessionárias e prefeituras.
— A cidade do Rio está melhorando nos seus indicadores. Pouco, mas está. Significa que a cidade coleta até razoavelmente bem, mas trata menos da metade do esgoto. Mas nós temos 23 cidades já com 100% de pessoas atendidas com rede de água. O Rio tem 91%. Só nesse critério, já perde muito. As melhores cidades também estão com mais de 85% no índice de coleta de esgoto. O Rio está atrás — diz Édison Carlos, diretor-executivo da organização.
No Rio, da média arrecadada nos últimos cinco anos com a cobrança de água e esgoto pelas concessionárias Cedae (pública) e Foz Águas 5 (empresa privada que opera em parte da Zona Oeste desde 2012), 9,71% foram reinvestidos em melhorias nos próprios serviços.
Despoluição em xeque
Os problemas no acesso aos serviços de água e esgoto e no tratamento dos dejetos se refletem na Baía de Guanabara, que sediará provas de vela nas Olimpíadas deste ano. Segundo Édison Carlos, a precariedade do saneamento das cidades da Baixada Fluminense contribui para que a Baía permaneça suja. No ranking, três cidades da região aparecem nas últimas posições: Duque de Caxias (91º), Nova Iguaçu (92º) e São João de Meriti (93ª). Nenhuma delas trata mais de 5% do seu esgoto.
— O Rio pode chegar a 100% em todos os índices que a Baía não será despoluída. A gente tinha que ter começado quando o Rio foi escolhido (para ser sede das Olimpíadas) — analisa.
O problema principal que vem a reboque da precariedade do saneamento é a saúde da população. De acordo com Ligia Bahia, professora e especialista em saúde pública da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a falta de acesso à água encanada, principalmente em favelas, pode facilitar o acúmulo de criadouros do Aedes aegypti:
— É preocupante que uma cidade como o Rio, que é a segunda mais rica do país, tenha quase 50% do seu esgoto não tratado. E que o saneamento tenha ficado para trás — avalia Ligia.
Além das doenças transmitidas pelo mosquito, como dengue, zika e chicungunha, a falta de tratamento do esgoto e do próprio acesso à rede de saneamento facilita contaminações causadas pela mistura da água das chuvas, abundantes neste mês, com os dejetos. De acordo com Paulo Carneiro, pesquisador do laboratório de hidrologia da Coppe/UFRJ, são durante as enchentes, como as ocorridas nos últimos dias, que os problemas da rede de esgoto da cidade ficam mais claros:
— Os surtos de doenças que ocorrem nesse período decorrem disso. Porque as pessoas ficam em contato com o esgoto. Não é segredo para ninguém que a situação é muito crítica.
A empresa Foz Águas 5 não foi localizada para comentar os números. Procurada pelo GLOBO, a Cedae, responsável pelo abastecimento de água e coleta de esgoto na capital e nas cidades da Baixada citadas, afirmou que vários dos indicadores já apresentaram evolução “e apresentarão crescimento significativo quando informações mais atualizadas forem divulgadas”. A companhia disse que vai investir R$ 3,4 milhões na Baixada para ampliar o abastecimento de água e elabora um programa de saneamento em comunidades dotadas de UPPs, “que irá beneficiar 450 mil moradores”.
As favelas, segundo Édison Carlos, são o principal motivo para as perdas — estimadas em 54% — no faturamento das concessionárias (razão calculada entre água distribuída e água cobrada). O índice é considerado muito alto. Nesses locais, marcados pela deficiência da oferta de serviços, boa parte das ligações é clandestina:
— A cidade fica mais exposta a dinheiro de fora, (ajuda federal, por exemplo) porque uma parte importante da receita não se concretiza — diz.
Brasil também não fica bem em ranking da América Latina
No levantamento nacional feito pela ONG Trata Brasil, foi identificado que metade da população brasileira não tem acesso a redes de esgoto. Com apenas 49,8% dos brasileiros contando com coleta regular de dejetos, o país ocupa o 11º lugar no ranking da América Latina sobre a modalidade, atrás de países como a Venezuela (primeira colocada), Chile (segundo), México (terceiro) e Colômbia (quarta). A pesquisa constatou ainda que 35 milhões de brasileiros não têm sequer fornecimento de água em suas residências.Segundo o Trata Brasil, que analisou também o investimento nacional em saneamento, metade dos R$ 12,2 bilhões aplicados no setor em 2014 ficou concentrada nas cem maiores cidades do país. O valor, no entanto, cresceu: o investimento total do país era de R$11,4 bilhões em 2010.
Os dados revelam ainda que 64% das cidades brasileiras investem menos de 29% do que arrecadam com cobranças de água e esgoto. As 20 cidades mais bem colocadas no levantamento investiram o dobro das 20 que ocupam as últimas colocações do ranking. Em meio a um ano de crise hídrica como 2014, os números do Trata Brasil mostram também que o índice de perdas na distribuição — isto é, a razão entre o volume cobrado e o volume distribuído — foi de 36%.
Fonte: O Globo.
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