Você acredita que atualmente há poucos liberais no Brasil? Imagine há 20 anos! Cristiano Rosa de Carvalho [1] era um solitário combatente pró-liberdade nos anos 90, entre os primeiros do país.
Nos anos 2000 foi vice-presidente do atual Instituto Liberdade, no Rio Grande do Sul. Admirador de nomes como Milton Friedman, Isaiah Berlin, Paul Johnson, Mises, Menger, Hayek e Ayn Rand, já não é um defensor solitário da liberdade. Legítimo liberal clássico, critica o radicalismo de muitos libertários. Considera o novo movimento liberal como “uma saudável reação a anos de hegemonia esquerdista na cultura brasileira”, mas pondera: “o pior mal é o sectarismo”.
Um dos maiores nomes do país em Análise Econômica do Direito (AED)[2], atualmente é advogado, tem Doutorado em Direito Tributário na PUC-SP, 2006 e Pós-Doutorado em Direito e Economia pela University of California, Berkeley, 2007. Ele é co-fundador e atual presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE) [3], que esta semana terá seu VIII Congresso Anual em Vitória (ES) – evento que conta com o apoio dos Estudantes pela Liberdade. Abaixo, conta um pouco mais de sua trajetória, critica a academia jurídica brasileira, mas é otimista sobre dias melhores.
EPL – Luan Sperandio – Como o sr. descobriu a Análise Econômica do Direito?
Cristiano Rosa de Carvalho – No final da década de 90, tive o primeiro contato com autores como Richard Posner. Já conhecia bem Milton Friedman, que era economista puro, porém um dos principais nomes da Escola de Chicago, que além de mundialmente famosa pela Economia também o é pelo Direito e Economia. Mas o interesse veio mesmo no começo dos anos 2000, primeiramente pela leitura de algumas obras clássicas, como as de Posner, e posteriormente, outros grandes autores, como Roald Coase, Guido Calabresi, Steven Shavell, Robert Cooter (que viria a ser meu orientador, em Berkeley, alguns anos depois), David Friedman, Polinsky, dentre outros.
EPL – Os cursos de Direito no Brasil muitas vezes parecem cursos de “welfare-state”, haja vista que se preocupam muitas apenas com princípios e ideias e em nada com os efeitos jurídicos que elas podem provocar, até mesmo contraditórios. Por que isso ocorre aqui no Brasil?
CRC- Acho que o problema do ensino tradicional jurídico é ser muito calcado em uma filosofia moral chamada Deontologia, mais associada a Kant, assim como ser muito formalista/dogmático.
Pela questão da Deontologia, significa que os alunos são treinados em prol de princípios e valores jurídicos, tais como a justiça, independente das consequências. Isso é muito bonito e romântico, e o brocardo latino “fiat justitia et pereat mundus” (faça-se justiça ainda que pereça o mundo) pode ser vista exposta em muitas faculdades de Direito Brasil afora. É um ideal nobre, porém às vezes infantil e beirando a irresponsabilidade. Ora, se nos ensinam desde pequenos a agir sempre levando em conta as consequências de nossos atos, como o Direito pode escapar a isso? De que adianta fazer “justiça” se o mundo perecer e ninguém puder ser beneficiado por ela? Então, a Deontologia deve ser complementada pelo Consequencialismo. Além disso, nossa tradição formalista, muito por decorrência de uma herança ibérica, nos faz ser mais afeitos a uma teoria da norma, a um estruturalismo jurídico, do que a uma preocupação de ordem pragmática, ou seja, qual a função do Direito, para quê ele serve, e se ele é eficiente para alcançar os propósitos que pretende. Precisamos ser mais empíricos e menos retóricos.
EPL – No que a Análise Econômica do Direito pode contribuir para a melhor formação de um estudante de Direito e de um jurista?
CRC – Pode contribuir – e muito – para tornar o estudante mais próximo à realidade jurídica, propiciando a ele ferramentas de análise incomparavelmente mais potentes que as tradicionais, ensinadas nas faculdades, mesmo em nível de mestrado/doutorado. Além disso, a AED também faz o jurista aprender a raciocinar como um economista, no sentido de compreender como funcionam os incentivos para a escola dos agentes racionais, que somos todos nós. E poucos incentivos são mais potentes que aqueles que o Direito produz, por meio de suas normas e sanções. A AED faz com que o jurista passe a analisar custo-benefício aprimorando suas estratégias, o que lhe beneficia enquanto operador do Direito também.
EPL – É conhecida a cultura de litígio no Brasil. O Novo Código de Processo Civil, aliás, é uma resposta a isso, mas a academia ainda forma um “advogado guerreiro”, não um “advogado solucionador de problemas”. Esse panorama está mudando? Qual o papel da ABDE nisso?
CRC – Sim, os cursos de Direito têm a tradição de formar advogados para o contencioso, de fato. Mas, felizmente, o pragmatismo da AED e de uma visão jurídica mais voltada para os negócios está possibilitando uma gradual alteração nesse panorama. A ABDE, assim como outros institutos de Direito e Economia, tais como o IDERS, a AMDE (Associação Mineira de Direito e Economia) e a ADEPAR (Associação de Direito e Economia do Paraná) tem membros que são professores em faculdades espalhadas pelo país, e que vem, ao longo dos últimos anos, disseminando conhecimento. Exemplo concreto disso é a recém-lançada faculdade de Direito da Unisinos, em Porto Alegre [4], que sob a marca LES – Law, Economics and Society, reúne graduação, LLMs e Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios. Com forte inspiração em AED, que delineia a estrutura de todos esses cursos, especialmente a nova graduação, a intenção é formar o advogado de negócios para o mercado globalizado, aquele capaz de solucionar problemas complexos, de enxergar o negócio de seu cliente como um todo. Em vez de pensar apenas juridicamente, o estudante será ensinado a enxergar a floresta e não apenas a árvore e, para isso, a interdisciplinaridade do Direito com a Economia, Finanças, Contabilidade e outros campos, é fundamental. Por exemplo, no semestre onde há a disciplina de Direito de Família, há também a disciplina de Psicologia Aplicada e também a disciplina de Mediação, absolutamente necessárias a qualquer um que atue neste ramo. Como diz Luciano Benetti Timm, coordenador do curso, o Direito Unisinos POA pretende “formar o advogado do século XXI, mais afeito ao acordo do que ao litígio, mais foco no negócio/resultado do que no processo.”
EPL – Sobre o evento, a temática é “Estado da Arte e Fronteiras”. Por quê?
CRC – O tema busca reunir o que há de mais avançado em Direito e Economia atualmente, bem como apresentar ideias e tendências que virão nos próximos anos. Cumpre dizer que este congresso, além de reunir palestrantes brasileiros e estrangeiros, conseguiu quebrar um recorde. Após dezenas de papers recebidos pela comissão científica, foram selecionados mais de 50 excelentes trabalhos, algo inédito em anos anteriores. Isso demonstra que o Direito e Economia realmente veio para ficar e está se solidificando cada vez mais.
EPL – Está especialmente ansioso para algum painel/palestra?
Como Presidente da ABDE, estou realmente empolgado com o evento como um todo, desde os keynote speakers e os palestrantes e, especialmente, os mais de 50 papers que serão apresentados e debatidos por seus autores e pelos congressistas.
EPL – Qual seu resultado no Diagrama de Nolan? (www.diagramadenolan.com.br)
CRC – Já havia feito esse teste anos atrás, no site do Libertarian Party, dos EUA. Mas acho que são poucas perguntas para definir o matiz ideológico, bem mais complexo. Eu, que sou liberal clássico, sempre saio como “libertário” no teste, sendo que há diferenças entre essas linhas.
Importante salientar, já que estamos falando de Direito e Economia, que esta Escola e Método de Análise não deve ser confundido com qualquer vertente ideológica, seja liberal ou de esquerda. Pelo contrário, a AED busca ser cientifica, e ciência boa é aquela cuja objetividade evita vieses. De fato, há célebres nomes no Law and Economics que são liberais e outros que são mais inclinados à esquerda. Nenhum problema quanto a isso. É claro que algumas escolas acabam sendo mais propensas, não quanto à análise pura, positiva do fenômeno jurídico ou econômico, mas quanto às proposições (medidas a serem tomadas) a ideias liberais (com é o caso da Escola de Chicago), ou a ideias mais intervencionistas (como é a Escola de New Haven, de Yale). Mas esse viés deve vir num segundo momento, que é o Direito e Economia normativo (como o direito deve ser), após a análise positiva (como o direito é). Ou seja, políticas públicas propostas poderão ter viés ideológico, mas a análise cientifica do problema, não.
A própria Ciência Econômica não deve ter viés ideológico. O fato dos melhores economistas terem tendências liberais é uma consequência de compreenderem o funcionamento do mercado e não uma causa para compreender o mercado. Este é o principal problema e a grande falha da Escola Austríaca, a meu ver (viés ideológico), que prejudica qualquer pretensão cientifica que possa ter. Apesar de ter bastante simpatia ideológica pelos austríacos, tenho pouca consideração por sua Escola, que me parece mais propaganda ideológica que ciência econômica. Ainda assim, admiro a obra de Hayek, algumas coisas (cada vez menos, confesso), de Mises, e, principalmente, de Carl Menger, a quem considero o melhor economista austríaco de todos os tempos. Alguns que vieram depois, como Rothbard, Hoppe, Rockwell, dentre outros radicais, acho simplesmente péssimos e impossíveis de ser levados a sério.
Certa feita, ao conversar com o Professor Gary Becker, laureado pelo Nobel, em seu gabinete na Escola de Chicago, perguntei a ele qual era, afinal, a sua posição, se ele era liberal, libertário, ou o quê. Disse-me ser um liberal clássico, mas ressaltou que isso não interferia com sua visão de cientista econômico. Se suas análises apontassem para a necessidade de intervenção estatal em determinado segmento, em dado momento, assim seria, independente de suas ideologias. “Science is what matters”, disse então. É assim que penso. Bons economistas são, em sua maioria, liberais por serem, antes, bons economistas. Não são primeiramente liberais para depois tornarem-se bons economistas, pois isso acaba prejudicando uma visão objetiva do problema a ser investigado.
EPL – Por fim, qual legado vocês esperam deixar com o evento?
CRC – Tradicionalmente, o congresso anual é feito no Estado em que o presidente daquele ano reside. Sendo assim, como sou presidente da ABDE esse ano, o evento seria aqui, em Porto Alegre. Todavia, resolvemos mudar um pouco e realizá-lo em Vitória (ES), onde nunca havia ocorrido, de modo a espalhar as ideias do Direito e Economia cada vez mais. Esperamos, sinceramente, que o Congresso anual possa motivar os estudantes e profissionais do Direito capixabas a se interessar por essa escola de pensamento. Quem sabe no futuro próximo não poderemos ver uma Associação de Direito e Economia do Espírito Santo surgir?
[1]Publicou diversas obras relevantes, como Teoria da Decisão Tributária (Saraiva, 2013), Ficções Jurídicas no Direito Tributário (Noeses, 2008), Teoria do Sistema Jurídico e Direito, Economia, Tributação (Quartier Latin, 2005).
[2]www.bloglawandeconomics.com/p/associados.html#.VjgYAberS1s
[3]http://abde.com.br/
[4]Para não confundir, a Unisinos tem a sua tradicional faculdade de Direito, desde os anos 60, em São Leopoldo, grande Porto Alegre)
Fonte: Estudantes pela Liberdade, 3 de novembro de 2015.
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