Na semana passada, comentei o plano perpetrado pelo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, transformando a meta de superavit primário de R$ 24 bilhões em deficit de quase R$ 100 bilhões. A peraltice fiscal, contudo, não acaba aí: há pelo menos dois motivos adicionais para ficarmos ainda mais preocupados com a evolução das contas públicas no país.
Um é o “Plano de Auxílio aos Estados e Distrito Federal”, que, contrário ao espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal, permite nova rodada de refinanciamento da dívida estadual, abrindo espaço para deficit adicionais da ordem de R$ 10 bilhões em 2016, R$ 19 bilhões em 2017 e outros R$ 17 bilhões em 2018.
O problema não vem de hoje. Nos últimos anos, a Fazenda, com a anuência de Barbosa, consentiu que Estados se endividassem além da conta, embora o acordo firmado nos anos 1990 dotasse o governo federal de mecanismos para evitar justamente a repetição desse fenômeno. Agora, em vez de punir tal comportamento, o ministério premia a irresponsabilidade fiscal, reforçando a mensagem “gastem agora e não se preocupem com o futuro”.
Já o outro projeto aumenta o grau de rigidez orçamentária no país por meio da criação do Regime Especial de Contingenciamento, que limita cortes de gastos em situações de baixo crescimento. Barbosa choraminga sobre a impossibilidade de alterar mais de 90% do dispêndio federal, mas propõe elevar ainda mais a proporção das despesas não contingenciáveis no orçamento.
A verdade é que Barbosa não consegue escapar da sua natureza. As medidas que anunciou no campo fiscal traem sua visão acerca da crise: como bom keynesiano de quermesse, ele acredita que o problema da economia brasileira se origina da falta de gasto; daí os incentivos para o aumento da despesa pública.
Trata-se de visão míope. Não há dúvida de que a demanda interna despencou: o investimento cai desde meados de 2013, acumulando queda de quase 25% até o final de 2015, enquanto o consumo caiu nada menos do que 8% nos últimos sete trimestres. As propostas ignoram, porém, as causas desse desempenho lamentável.
Por mais que se insista em jogar a culpa na suposta política de austeridade, a verdade é que: a) a demanda vem caindo muito antes do anúncio de qualquer medida de redução de gastos; e b) como bem lembrado pelo meu amigo Samuel Pessôa, a real queda do dispêndio público em 2015 é pequena demais para explicar a contração gigantesca da atividade, dado que nenhum keynesiano de quermesse teve coragem de encarar.
A real razão do colapso do investimento é a percepção de insustentabilidade da dívida pública no Brasil a menos que sejam aprovadas reformas que mudem radicalmente o regime fiscal no país, aumentando (jamais reduzindo) a flexibilidade do Orçamento e permitindo a geração de superavit primários capazes de estabilizar a dívida e, à frente, reduzi-la como proporção do PIB.
Tornou-se óbvio que Barbosa e o governo não apenas não têm condições de levar a cabo as reformas necessárias para isso como agem exatamente no sentido oposto.
Não é por outro motivo que o fantasma do calote pela aceleração inflacionária, que se imaginava exorcizado, segue assombrando o setor privado. O exorcista às avessas invoca o demônio e segue sem entender por que o país passa pela pior recessão de sua história.
Fonte: Folha de S. Paulo, 06/04/2016
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