O país está em lua de mel com uma equipe nova e um plano de governo ambicioso. O momento é favorável: a inflação está esfriando e abrindo espaço para a queda dos juros básicos, começou um processo de reposições de estoques que deve impulsionar a atividade por alguns meses e há receptividade a mudanças.
Apesar das boas intenções, se não forem feitos alguns ajustes, o romance será curto e a frustração da Nação com a condução de sua economia voltará com intensidade. Urge agir.
Já são oito trimestres consecutivos de queda do PIB, portanto, tecnicamente, o País já está numa depressão. É a segunda e a pior dos últimos cem anos. Agravando o quadro, as projeções são de que a atividade econômica vá continuar encolhendo nos próximos trimestres.
Para reverter a tendência, o foco da política econômica está no controle de gastos para que a dívida pública não se torne explosiva. Todavia, deve-se registrar que, apesar de ser uma dificuldade importante, é potencial, pois até agora o governo está conseguindo honrar seus compromissos e rolar suas dívidas.
Já não é este o caso de seus contribuintes, que veem suas finanças piorarem, dia após dia, tolhendo sua capacidade produtiva e paralisando a economia. A dinâmica de seu endividamento é insustentável. A inadimplência tem batido recordes históricos mês após mês. Atualmente, 60,1 milhões de CPFs e 4,2 milhões de CNPJs têm anotações de atrasos nos serviços de proteção ao crédito. As projeções são de que esses números vão continuar a aumentar. Isso está destruindo empresas, postos de trabalhos, relações comerciais e até os lucros dos bancos. No último ano, os prejuízos do crédito (writeoffs) totalizaram R$ 136,0 bilhões, 2,3% do PIB.
Todos perdem: em função da dinâmica do crédito, o sistema financeiro está absorvendo recursos do setor não financeiro, destruindo riqueza e encolhendo a atividade econômica.
Os bancos estão reféns de um modelo em que, mesmo subindo as taxas, sua rentabilidade média está caindo por causa da inadimplência e do encolhimento do saldo de crédito. Cada aumento de juros, depois de um tempo, eleva a morosidade das carteiras e torna a oferta de financiamentos mais restrita.
Em valores reais, os saldos dos financiamentos caíram 5,6% e as concessões diminuíram 18,2% nos últimos 12 meses, e o que é cobrado dos devedores já perdeu a relação com o custo do dinheiro.
Atualmente, a Selic está em 14,25% anuais; as médias para as pessoas jurídica e físicas estão em 22,2% e 40,6%, de acordo com o Banco Central, e em 69,5% e 148,7%, segundo levantamento da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac). A média do cheque especial para pessoas físicas e jurídicas está acima de 300%, aumentou mais de 80% em 12 meses e há dez bancos que cobram mais que o dobro da média, ou seja, acima de 600% ao ano.
Em 2015, foram cobrados R$ 623,1 bilhões, correspondendo a 10,5% do PIB, de juros nas operações de crédito do sistema financeiro. São valores crescentes: um ano antes, o valor foi de R$ 507,2 bilhões, 8,9% do PIB; e no anterior, R$ 447,8 bilhões, 8,4% do PIB.
A cada ano que passa, mais recursos saem de uma base de crédito menor. A atividade econômica do País só pode encolher com essa dinâmica financeira.
A origem das dificuldades é um modelo de crédito populista que seduziu trabalhadores, grandes empresários, comerciantes e banqueiros: os mais pobres tinham a falsa sensação de aumento da renda disponível e acesso a mais consumo; as corporações, a dinheiro subsidiado; e os bancos, a lucros crescentes.
No período de 2003 a 2008, aparentemente funcionou bem. O ciclo de valorização de commodities contribuiu para baixar a inflação e a Selic, o saldo de crédito para empresas e clientes cresceu e a elevação da taxa do cheque especial foi bem absorvida. Poder-se-ia ter adotado uma política de crédito responsável na ocasião. Mas a miopia na época da sua adoção foi mais forte. A conta veio agora, alguns anos depois.
Como toda política populista, é insustentável. O custo de subsidiar recursos para empresas tem a restrição fiscal. O crédito para consumo a taxas altas é uma ilusão que no médio prazo se transforma ou em dependência financeira, ou em perda de ativos, ou em inadimplência.
Nesse modelo, os bancos compensam as perdas crescentes com a morosidade com elevações de taxas para tentar manter a lucratividade. No entanto, é uma espiral que acaba limitando a expansão do sistema e da economia, como está acontecendo agora no Brasil.
Agravando, deve-se acrescentar a obsolescência e algumas distorções do quadro institucional do sistema financeiro e retrocessos como perdas de transparência, distorções tributárias e regulamentações inconvenientes nos últimos anos.
Dinâmica. O ponto deste artigo é que a dinâmica do crédito é perversa, mas pode ser corrigida e deixar de ser parte da causa dos problemas do País e contribuir positivamente para a saída da crise. É paradoxal, mas a relação crédito-PIB é baixa, e há potencial de crescer se mudanças adequadas forem feitas.
A solução consiste de quatro componentes. O primeiro e mais importante é reconhecer que o problema existe. Os outros três são fazer a transição do modelo populista para o de crédito responsável, uma ampla renegociação de dívidas e a correção de distorções institucionais.
O Brasil não pode prescindir dos bancos, se tiver ambições de crescer. É uma agenda complexa, que outros países adotaram com sucesso e que também poderia ser implantada aqui.
Muitas das medidas só dependem do Poder Executivo e algumas podem ser adotadas rapidamente, dando um fôlego financeiro à atividade econômica.
Não é a crise que piorou o crédito, mas é o modelo de crédito populista que catalisou a crise. É possível mudar e fazer a coisa do jeito certo. Há mais a ser feito. Mas começar de novo vai valer a pena, se for feito o que tem de ser feito.
Fonte: “Estadão”, 16 de maio de 2016
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