Duas medidas fundamentais que darão maior estrutura para o comércio e os investimentos internacionais foram anunciadas ontem. Hoje a área encontra-se dispersa em mais de dez departamentos de quatro ministros, uma câmara interministerial de comércio exterior (Camex) e a Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimento (Apex-Brasil).
Primeiro, a Camex ganha estatura, vinculando-se diretamente ao presidente da República, com a participação dos principais ministros afeitos ao tema. O desafio é coordenar as políticas comerciais e de investimentos de que o país tanto precisa, formular estratégias, definir ações interministeriais, prioridades e competências, além de validar acordos e contenciosos comerciais. Precisamos recuperar o tempo perdido após 15 anos de crescente isolamento do Brasil ante os blocos e os países mais dinâmicos do planeta.
Segundo, a Apex passa a se vincular ao Itamaraty e vai ser reestruturada. Com orçamento de R$ 550 milhões, a Apex atua basicamente em promoção comercial e atração de investimentos via projetos com o setor privado. Ocorre que 25% do orçamento da Apex é gasto com pessoal próprio e despesas administrativas. Predomina uma visão voltada para dentro do Brasil, pautada na contratação de consultores brasileiros e em uma excessiva dose de campanhas de autopromoção, quase sempre superior à dos setores exportadores que ela se propõe a promover.
A maior especialidade da Apex é organizar a participação brasileira em feiras e eventos no exterior. A maioria delas faz sentido, mas a agência gastou dezenas de milhões com o patrocínio de megaeventos de eficiência comercial questionável, como Carnaval, F-1 e Indy.
Além disso, sempre houve indesejável disputa com outros órgãos do governo, que redundou na duplicação de programas e recursos humanos e financeiros. Por exemplo, a cooperação entre a Apex e o Departamento de Promoção Comercial e Investimento (DPR) do Itamaraty sempre foi mínima. O DPR conta com 104 setores de promoção comercial (Secoms) espalhados nas embaixadas e nos consulados brasileiros de 81 países, mas há anos não tem recursos para realizar um bom trabalho. Em paralelo, a Apex desenvolve seus projetos no exterior de forma independente, com consultores externos.
Por isso, a Apex deveria racionalizar o trabalho de organização de feiras, eventos e rodas de negócios e apoiar mais de perto programas e ações do governo e do setor privado no exterior, principalmente projetos consistentes de internacionalização setorial que passem por seleção criteriosa e presença qualificada e tenham resultados mensuráveis.
A Apex deveria, por exemplo, apoiar ações para a conquista de acesso a mercados nos países relevantes, já que boa parte das exportações brasileiras enfrenta pesadas restrições tarifárias e não tarifárias. O governo carece de recursos para cuidar do tema, e a grande maioria das entidades do setor privado brasileiro nem sequer está presente no exterior. Aqui não é preciso reinventar a roda. Basta olhar o trabalho que empresas e associações dos EUA, do Reino Unido, da Alemanha, do Canadá e da Austrália têm feito no exterior, em parceria com agências semelhantes à Apex e poderosas Câmaras de Comércio.
Outra ação fundamental que tem sido negligenciada pelo Brasil é a comunicação de temas transversais sobre os quais somos cobrados o tempo todo no exterior. É fundamental não apenas esclarecer, mas sobretudo difundir informação de qualidade, em formato e língua local, sobre assuntos que geram percepções e questionamentos positivos e negativos. Exemplos são desmatamento, uso da terra, direitos humanos, redução da pobreza, combate à corrupção, questão indígena, custo Brasil, sanidade e bem-estar animal e outros.
Em ótima hora, o governo Temer anuncia medidas que permitem retomar a agenda perdida do comércio exterior. Tenho certeza de que daí pode sair parte das boas notícias que o Brasil tanto precisa.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 14 de maio de 2016.
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