*Com Renato Fragelli
Depois de uma longa agonia, o desastroso governo de Dilma Rousseff chegou ao fim. Mas o otimismo gerado pelo novo governo está longe de significar que a crise econômica que passamos no momento será facilmente revertida.
O déficit primário realisticamente previsto para 2016 pode chegar a R$125 bilhões. Para se ter uma ideia, toda a arrecadação esperada com a recriação do CPMF de 2016 era de somente R$11 bilhões. O descalabro fiscal é geral, não se restringindo à União. Pelo menos seis estados já estouraram o limite definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal para a folha salarial. Quase todos, no passado recente, expandiram gastos a um ritmo insustentável. No curto prazo, a recessão, as isenções tributárias e os subsídios aprovados nos últimos anos aprofundam a queda da receita tributária em todos os níveis de governo. Há problemas graves na Eletrobrás, Petrobrás e caixas pretas na Caixa Econômica e em fundos de pensão, além das dívidas de estados e municípios.
O governo Dilma, com a anuência do Congresso, menosprezou o problema, adiando ou negando – até 2014 – sua existência. Os governos petistas, a despeito do discurso de hostilidade às elites, foram generosos na concessão de subsídios ao grande capital. O novo governo, ao sinalizar na direção contrária, gera uma mudança de humor, uma visão mais otimista quanto ao futuro próximo. Bancos e consultorias já estão revendo para cima as previsões do PIB de 2017.
Há razão para otimismo, mesmo que contido? Talvez. As primeiras declarações do novo governo indicam acerto no diagnóstico. O ministro Henrique Meirelles disse o que o mercado queria ouvir, embora tenha evitado temas controversos. Mencionou um teto para o crescimento das despesas públicas, reformas da Previdência e trabalhista, redução de subsídios e de cargos comissionados. Não descartou aumentos de impostos. Deixou clara a preocupação com a sustentabilidade da dívida pública. Outros setores do governo defendem privatizações, novas concessões, melhor regulação e racionalização da máquina pública.
O ministério foi montado em função do indispensável apoio no Congresso – além, é claro, da confirmação do impeachment de Dilma Rousseff no Senado. A equipe econômica, depois de alguns convites não aceitos, reúne pessoas competentes, afinadas entre si, e com grande conhecimento de causa. Nada que lembre a equipe que concebia políticas claramente insustentáveis, como no primeiro governo Dilma; ou o fogo-amigo de partes do próprio governo empenhadas em boicotar reformas inexoráveis defendidas pelo ex-ministro Joaquim Levy. A nova postura produz um choque de confiança na economia, com potencial de levar à expansão dos investimentos e do consumo.
Entre os nomes da equipe encontra-se o de Mansueto Almeida na Secretaria de Acompanhamento Econômico. Economista competente, respeitado especialista em contas públicas e política fiscal, Mansueto é o nome certo no lugar certo. Mas seus trabalhos demonstram, para surpresa de alguns, que melhorias de gestão, racionalização dos gastos e eliminação dos desperdícios – medidas obviamente necessárias –, serão insuficientes para reequilibrar as contas públicas. Por mais revoltantes e desnecessários que tenham sido as contratações e o aparelhamento da máquina pública e os muitos desperdícios levados a cabo pelos governos petistas, o grosso do problema fiscal em nível federal não decorre de gastos com pessoal e má gestão. A principal fonte de expansão dos gastos foram as despesas com os programas sociais – sobretudo INSS – que têm dinâmica própria, pois seguem regras encrustadas na Constituição. Sem reformas constitucionais há pouco que Mansueto e a equipe econômica possam fazer.
Embora o cenário básico seja de um governo capaz de aprovar no Congresso medidas de ajuste fiscal, a reversão definitiva de expectativas dependerá da aprovação formal de medidas que mexem em interesses de grandes parcelas da população. Mas um governo sem a legitimidade de uma eleição majoritária, e que luta por sua sobrevivência política – afinal, Temer ainda é um presidente interino – apoiando-se em grande medida em grupos fisiológicos, está longe de ter a força política que suas primeiras declarações tentam indicar.
Aqui entra nosso “otimismo ou pessimismo cautelosos”, em que um dos autores (Fragelli) tende para o primeiro e o outro (Ferreira) tende para o segundo. Além da fragilidade política do atual governo decorrente da forma como o governo Dilma foi apeado do poder, não se pode esquecer que a Lava Jato e outras investigações continuam. Alguns dos membros do governo Temer estão sob investigação, sobre outros existem denúncias e rumores e, provavelmente, muito mais ainda poderá surgir. Afinal, este é um governo do PMDB, sócio até ontem do Governo Dilma, e implicadíssimo no Petrolão. A instabilidade política tende a ser maior do que o otimismo de muitos parece levar em conta. Ademais, por maior que seja a habilidade política de Temer e seu PMDB, este está longe de ser a força modernizadora e liberalizante sugerida pelo seu novo discurso. Há terreno pantanoso à frente. Nada garante que reformas que mexem com interesses de muitos sejam aprovadas por congressistas fisiológicos que, mais do que nunca, pensam principalmente em sua sobrevivência política.
Fonte: “Valor econômico”, 18 de maio de 2016.
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