Meter a mão em dinheiro público pode ser apenas um crime na maior parte do mundo, mas no Brasil é também um problema fiscal. Membros do governo andaram examinando, nos últimos dias, se deveriam considerar, na revisão das contas públicas, algum aporte de dinheiro à Eletrobrás, saqueada no Brasil e encrencada no mercado americano de ações. A segunda maior estatal brasileira ainda devia a apresentação do balanço de 2014. O fechamento continuava atrasado porque faltavam informações sobre propinas e desvio de dinheiro. À primeira vista, nada tão grande quanto a pilhagem da Petrobrás, mas suficiente para incomodar os xerifes do mercado de capitais dos Estados Unidos.
Em resumo, o banditismo cevado no esquema petista de loteamento do Estado complicou a gestão das contas públicas. Mas calcular o déficit primário – durante a semana, os palpites oscilaram entre R$ 150 bilhões e R$ 200 bilhões – seria apenas um passo para a revisão da meta fiscal e, portanto, para o início do ajuste das finanças oficiais. Essa arrumação, segundo analistas, é a primeira e talvez maior tarefa da nova administração, se o governo chefiado pelo presidente interino sobreviver além de seis meses. Se essa fosse a maior parte da agenda, tudo seria muito mais simples.
A pauta real envolve desafios maiores e é bem mais ambiciosa. De fato, nada mais será possível se o governo for incapaz de ajeitar as contas e em seguida conter e reduzir o peso da dívida pública, mas isso é só uma condição para todo o resto. Esse resto é a parte mais importante. As linhas principais da grande tarefa já foram indicadas. Será preciso criar condições para um crescimento seguro. Esgotada a capacidade ociosa, restará um potencial de crescimento próximo de 1% ao ano, talvez pouco menor. O assunto é examinado em estudo recente do Ipea, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Será indispensável pensar em produtividade e competitividade. Esses objetivos foram negligenciados por muitos anos, enquanto o governo deu prioridade à gastança, à distribuição de favores fiscais e financeiros e ao protecionismo.
O baixo poder de competição da economia brasileira tem sido mostrado em estudos produzidos dentro e fora do País. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem realizado periodicamente relatórios sobre o assunto. Na pesquisa divulgada em 2015, o Brasil ficou na penúltima posição, num conjunto de 15 países desenvolvidos e emergentes. Na avaliação geral, Canadá, Coreia do Sul, Austrália, China e Espanha compuseram o terço superior. O Brasil ficou no terço inferior em quase todos os fatores. Ficou em quarto lugar no quesito disponibilidade e custo de mão de obra, mas essa vantagem desapareceu quando se tratou da produtividade dos trabalhadores industriais. Nesse item, o País apareceu na 12.ª posição num total de 14 competidores.
Na educação, um dos fatores determinantes da qualidade da mão de obra, a posição brasileira tem sido humilhante. Três dimensões foram consideradas: disseminação, qualidade e recursos aplicados. As informações coletadas permitiram a comparação completa entre 11 países, mas conjuntos maiores foram usados em algumas comparações. Quanto à disseminação, o Brasil ficou em penúltimo lugar numa lista de 11. Em relação à qualidade, em 10.º num conjunto de 12. Mas quando se tratou das despesas, o País apareceu em posição intermediária, classificado como 8.º num grupo de 13.
De acordo com a tabela, a Coreia gasta o mesmo que o Brasil, 3,3% do produto interno bruto (PIB), mas a Coreia ocupou o primeiro lugar nas classificações pela qualidade, pela disseminação e pela parcela de pessoas com formação superior (66% da população entre 25 e 34 anos). No Brasil, essa fatia corresponde a apenas 14% (dados de 2012). Com gastos proporcionalmente menores que os do Brasil apareceram o Chile, a Rússia, a China e o México, mas todos ficaram em posições superiores à brasileira no quesito qualidade.
A desgraça na área educacional é também confirmada, periodicamente, nos exames do Pisa, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, mantido pela OCDE. No teste de 2013 o Brasil ficou em 58.º lugar entre 65 países. No último quadro geral, os brasileiros foram classificados em 58.º lugar em matemática, 59.º em linguagem e 55.º em ciências.
Em 2011 houve um debate azedo, no Brasil, sobre um livro distribuído pelo Ministério da Educação. Segundo esse livro, frases como “os menino pega o peixe” são aceitáveis na linguagem oral. Mas quem fala assim, advertem os autores, pode ser “vítima de preconceito linguístico”. Críticos dessa besteira foram chamados de elitistas e ignorantes. Adotou-se, na defesa dos erros, uma distinção entre linguagem falada, ou informal, e linguagem culta. Pode-se afirmar a distinção, sim, mas em outros termos. Em países com melhor educação as normas de concordância vigoram na fala informal. O acerto é quase instintivo quando se é bem alfabetizado.
O Ministério da Educação deveria conferir se erros básicos de gramática são tolerados em escolas de países mais competitivos. A baixa qualidade educacional é uma grave limitação à produtividade, à competitividade e, portanto, à geração de empregos decentes. Quem fala “os menino pega o peixe” está condenado a ser pouco produtivo e a ganhar mal. Os bons empregos continuarão reservados a quem puder competir com os trabalhadores dos países dinâmicos.
O Brasil gasta em educação mais que países com resultados muito melhores. Cuidar mais da qualidade do gasto – em educação e em qualquer outra área – será parte fundamental de qualquer boa política de crescimento. A arrumação das contas oficiais tem de ir muito além do ajuste contábil. Eliminar a custosa e contraproducente vinculação de verbas deve ser parte dessa mudança. Nesse capítulo haverá muita briga, porque a vinculação pode render bons negócios.
É preciso pensar na qualidade do gasto, além de cuidar do equilíbrio das contas.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, dia 22 de maio de 2016
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