A capacidade de inovação é um dos mais decisivos vetores de desempenho das sociedades modernas, só comparável talvez ao bem mais raro pendor à cooperação. Desde que praticamente todas as novas tecnologias passaram a sair de laboratórios de pesquisa como já ocorre há uns 150 anos, a rapidez do desenvolvimento humano passou a ter como determinante medular o grau de eficiência dos esforços em ciência e tecnologia genitoras de inovações (CTI).
Qualquer dúvida sobre a validade dessa “lei” virou pó com a atual aceleração de descobertas e invenções que têm sido canhestramente interpretadas como outra “revolução industrial”. A terceira, para o visionário ensaísta Jeremy Rifkin, e até mesmo a quarta, para Klaus Schwab, o astuto criador do Fórum de Davos.
Diante de tão inédita ebulição, as elites dirigentes tupiniquins revelam chocante síndrome do avestruz. Preferem não enxergar, apesar de desconfiarem que só haverá mais atraso se demorarem a desenterrar a cabeça. E, antes disso, a sociedade nem poderá perceber que o sistema nacional de CTI precisa ser até mais vigiado que seus clubes de futebol, ou tão acompanhado quanto suas telenovelas. Por mais exagerado que possa ser esse tipo de comparação, ele ajuda a aquilatar a distância a ser percorrida para que tão crucial desafio venha a ser encarado.
Não poderia ter sido mais sintomática a discretíssima aparição da Estratégia Nacional de CTI para 2016-2019. Até agora nem mesmo a mídia especializada ficou sabendo da existência de tão importante documento, que na manhã do último dia 12, quando mal assumia o governo interino, foi silenciosamente pendurado no portal do ministério (até então MCTI). Como se essa não fosse uma plataforma com seríssimas consequências para a qualidade e o nível de vida dos 250 milhões que por aqui habitarão em meados deste século.
A leitura das 128 páginas dessa ainda ignorada narrativa frustrará quem nelas procurar uma estratégia no sentido literal da palavra. Essencialmente porque não hierarquiza as ações consideradas prioritárias pelos especialistas consultados. A opção foi pela moderna acepção do termo: elencar as mais promissoras áreas de pesquisa/desenvolvimento, apostando que o próprio avanço do processo se encarregará de fazer a imprescindível seleção mais enxuta. Concepção que se apoia e valoriza uma abordagem evolucionária da dinâmica institucional, em vez da que permanece refém da origem militar do vocábulo. (Mais sobre a noção de estratégia em: http://www.zeeli.pro.br/3572)
Dos onze “temas estratégicos” nos quais será necessário concentrar esforços até 2019, só o último na ordem alfabética poderá causar alguma estranheza: aeroespacial e defesa; água; alimentos; biomas e bioeconomia; ciências e tecnologias sociais; clima; economia e sociedade digital; energias; nuclear; saúde; e tecnologias convergentes e habilitadoras.
Consolidou-se nos últimos quinze anos a visão de que são “convergentes” as tecnologias chave, de ponta, ou de fronteira, sintetizadas pela sigla NBIC: N de nano, B de bio, I de informação e C de cognição. Entre os principais impactos dessa quádrupla confluência está uma extraordinária possibilidade de melhoramento (enhacement) da própria espécie humana, fazendo com que o conjunto das ciências médicas ultrapasse sua vocação exclusivamente terapêutica. Cenário que ao menos desde 2004 junta intelectuais tão díspares quanto o cientista político Francis Fukuyama e filósofos como Michael Sandel e Jünger Habermas em incisivo combate bioconservador contra a excitante campanha pelo transhumanismo intitulada humanity+ (ver: hplusmagazine.com).
Só que também foi ficando comum chamar de “habilitadoras” (enabling) as tecnologias que têm o dom de provocar drásticos saltos na capacidade produtiva dos utilizadores, entre as quais se destaca a impressão 3D. São bem heterogêneos, contudo, os pacotes de tecnologias carimbadas de “habilitadoras” pela Unido, ou pelos mais renomados thinktanks americanos, europeus e australianos.
Então, o simples fato de a estratégia ter ambiguamente superposto, na rabeira de sua lista, as convergentes e as habilitadoras, sem sequer esclarecer quais seriam, mostra o grau de incipiência da prévia reflexão coletiva para nem mencionar a total ausência de debate público sobre o que é um dos principais pilares do chamado “interesse nacional”.
Muito mais pertinente, todavia, é aqui enfatizar a importância do desdobramento da estratégia em seus previstos “planos de ação”, complexo trabalho que exigirá árduos mutirões de pesquisadores e executivos dos setores público e privado. Não deixar que tal processo seja interrompido, ou adiado, é decisão que precisa ser tomada pelo núcleo político mais chegado ao presidente interino Michel Temer, pois as eleições municipais que se avizinham, somadas ao matrimônio sem amor do MCTI com a pasta das Comunicações, já despejarão areia demais na picape do novo ministro, o duplamente neófito presidente do PSD, Gilberto Kassab.
Fonte: “Valor econômico”, 24 de maio de 2016.
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