O setor elétrico está estruturado por um modelo implantado pelas Leis n.º 10.847 e 10.848 e pelo Decreto n.º 5.163, todos de 2004. Esse modelo surgiu objetivando a modicidade tarifária, a segurança no suprimento e a universalização dos serviços de energia elétrica. As regras do “novo modelo do setor elétrico” foram respeitadas e funcionaram de modo razoável por cerca de 8 anos. Mas em 2012, com o anúncio da fatídica Medida Provisória (MP) nº 579, o setor passou a conviver com alto risco regulatório e com enorme insegurança jurídica.
A MP 579, convertida na Lei n.º 12.783/2013, impôs a renovação das concessões do setor condicionadas à redução das tarifas de eletricidade. A redução artificial das tarifas sinalizou abundância de recursos inexistentes, estimulando o consumo enquanto a geração se reduzia, em função dos baixos níveis dos reservatórios das hidrelétricas e do atraso das obras, exigindo o acionamento térmico. A conjunção desses fatores gerou sérios danos ao setor, com o endividamento das concessionárias de geração e distribuição. As transmissoras passaram ainda por dificuldades financeiras com a prorrogação de suas concessões, o que reduziu suas receitas, além do longo período de indefinição sobre as indenizações pelos ativos não amortizados a que teriam direito.
Daí em diante uma sucessão de problemas afligiu o setor e, para solucioná-los, o governo persistiu na política de remendos para corrigir a “nova” lei. A conturbada conjuntura do setor deixou reflexos tanto do lado da oferta quanto da demanda, que, atualmente, estão mascarados pela queda no consumo de eletricidade, decorrente do fraco desempenho da economia e do tarifaço de 2015.
O setor elétrico carece de medidas imediatas, porém concretas e eficientes, para que inicie o seu período de recuperação e retomada da competitividade. O atual panorama político e econômico surge como uma oportunidade para rediscutir o setor. No cenário de mudanças é essencial reverter a MP 579 e corrigir todas as deficiências regulatórias do setor. A estabilidade regulatória e a previsibilidade garantirão segurança jurídica para, além de manter, atrair novos investimentos.
O perfil da matriz elétrica deve ter um mix “ideal” que considere o potencial de cada fonte e as características regionais, ponderando, ainda, a modicidade tarifária, aspectos ambientais e logísticos. Nesse sentido, a visão estratégica é a realização de leilões regionais e por fonte. Os leilões de reserva devem ser realizados para que as distribuidoras contratem e assegurem o suprimento, quando houver potencial descasamento de cenários.
É inquestionável a permanência da maior participação da fonte hídrica na matriz, como demonstram os investimentos em Belo Monte, Santo Antonio e Jirau. Por exemplo, Santo Antonio tem seis turbinas que atenderão exclusivamente Rondônia e Acre, acabando com os apagões naqueles Estados. Porém o país não pode abrir mão da geração a gás natural, por sua importância na garantia do fornecimento de energia elétrica. As termoelétricas a gás na base regularizarão a energia produzida pelas usinas a fio d’água e pelas demais fontes intermitentes. A opção pelas térmicas a gás se deve ao menor impacto ambiental, se comparado às demais fontes fósseis; ao curto prazo para sua implantação; e à proximidade dos centros de carga, reduzindo a necessidade de investimentos em transmissão, diminuindo as perdas e aumentando a confiabilidade do sistema. Para isso, é necessário o incentivo à garantia de oferta do gás natural, seja importado ou doméstico. As importações de GNL podem atuar, num primeiro momento, como um teto para os preços internos, abrindo mercado para o gás que virá do pré-sal.
O setor elétrico está diante de uma grande chance de recuperação, e colocar as sugestões acima em prática é bom início. Tudo isso em linha com um planejamento de longo prazo, baseado em medidas concisas, eficientes e capazes de garantir estabilidade regulatória e econômica e segurança na oferta de energia elétrica.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 4 de junho de 2016.
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