Por mais que se rejeite e por menos que se deseje, será difícil realizar o necessário ajuste fiscal sem recorrer a uma elevação temporária de impostos (aqui entendidos como quaisquer tributos). O ideal seria fazer o ajuste mediante corte de despesas, mas o espaço para tanto tem diminuído desde a Constituição de 1988. Não recorrer agora a impostos pioraria o mais trágico dos maus legados de Dilma: a explosiva trajetória da dívida pública.
A Constituição de 1988 deu os primeiros passos rumo à atual tragédia fiscal. A ideia, em tese correta, era reduzir as desigualdades sociais. Acontece que, além de não se ter avaliado na época a sustentabilidade dos respectivos gastos, governos posteriores concederam aumentos reais do salário mínimo, que reajusta cerca de 70% dos benefícios previdenciários. Não houve como evitar o aumento da carga tributária, que subiu de 20,3% do PIB, em 1987, para 35,4% do PIB, em 2014. Cerca de um terço do aumento se explica por gastos do INSS.
Para financiar esses e outros gastos obrigatórios (funcionalismo, educação e saúde), não bastou a arrecadação tributária. Foi preciso elevar também o endividamento. A situação piorou com Dilma. O Tesouro transferiu 10% do PIB ao BNDES para expandir seus empréstimos. A dívida pública, que era de 51,8% do PIB na eleição dela em 2010, saltou para 66,5% em 2015 e deve chegar a 80% em 2018. Reapareceu o risco de insolvência ou de financiamento da dívida com inflação. É crucial, pois, interromper em poucos anos essa marcha catastrófica, hoje a maior ameaça à economia e ao emprego.
Esse objetivo exigirá superávits primários (excluídos os juros) em nível suficiente para estabilizar e depois reduzir a relação dívida/PIB, mas em 2016 haverá déficit primário da ordem de 170 bilhões de reais. Se fosse possível (não é) cortar todos os gastos suscetíveis da medida, incluindo o Bolsa Família, seriam ganhos apenas 132 bilhões de reais.
É preciso, portanto, construir uma trajetória de superávits para reduzir, em prazo razoável, a relação dívida/PIB, mas a tarefa é impraticável sem mais impostos. Os economistas estão divididos. Um lado rejeita o aumento de impostos e defende cortes e reformas para reduzir gastos obrigatórios, que representam mais de 90% das despesas federais. Para isso, seria preciso rever programas sociais, eliminar embaixadas, não dar aumento ao funcionalismo, etc.
Tudo isso faz sentido, mas grande parte dessas medidas é politicamente difícil ou tem impacto pequeno. Cortar mais os investimentos, que caíram mais de um terço desde 2014, prejudicaria ainda mais a economia. Diminuir gastos obrigatórios exige complexas reformas constitucionais, cujos efeitos demoram anos. A alternativa de autorizar a abertura de cassinos é ridícula.
A situação fiscal piorou com a queda da arrecadação federal, de 1,5% ponto porcentual do PIB entre 2011 e 2015. Nenhuma retomada da economia compensaria essa perda nos dois anos e pouco do governo Temer. Fabio Giambiagi calcula que, entre agora e a obtenção de uma razoável relação dívida/PIB, o ajuste fiscal necessário seja de pelo menos 5% do PIB. Pensar que se chega a tanto somente com redução de despesas é simplesmente errado.
Outros economistas, como eu, não descartam aumento temporário de impostos. A estratégia de recorrer apenas ao corte de gastos é arriscada. Se o Congresso rejeitar a redução de despesas obrigatórias, ficaríamos no pior dos mundos: sem redução relevante de gastos e sem receitas para gerar maiores superávits primários. Isso em meio ao crescimento irrefreável da relação dívida pública/PIB.
A oposição ao aumento de impostos tende a ser menor do que às reformas estruturais. A CPMF e a Cide são as candidatas óbvias. A redução de renúncias fiscais também. A Cide teria outras vantagens: estimula a produção de etanol, impulsiona a economia e reduz as emissões de gás carbônico pelo menor consumo de combustíveis fósseis. A CPMF teria alíquotas declinantes até sua extinção.
No próximo pleito presidencial, será inevitável submeter ao eleitorado ideias para atacar o problema estrutural do gasto público. Agora, complementar o ajuste com mais impostos é a solução menos ruim.
Fonte: “Veja”, 01 de junho de 2016.
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