Retomando o tema do teto para as despesas federais, principal sugestão de política econômica do atual governo, não é difícil entender a motivação para a proposta. Como notado por muitos, mas esplendidamente detalhado por Marcos Lisboa e Samuel Pessôa em contribuição recente, os gastos têm crescido 6% ao ano acima da inflação nos últimos 25 anos, o dobro do crescimento do PIB no período.
Qualquer pessoa com um mínimo de formação em aritmética (o que exclui, óbvio, todos keynesianos de quermesse) consegue compreender que isto é insustentável. Enquanto a carga tributária cresceu, seja pelo aumento de impostos, seja pela maior formalização da economia, foi possível fingir que o problema não existia (“despesa corrente é vida”, proclamava a ministra da Casa Civil em 2005), apesar dos alertas em contrário. A partir de 2011, porém, a realidade se impôs.
O teto para as despesas (à parte os problemas apontados em minha coluna anterior) implicaria reversão desta trajetória. Desde que a economia cresça, as despesas se reduziriam face ao PIB, enquanto as receitas se expandiriam mais ou menos em linha com este, levando à recuperação das contas públicas ao longo do tempo.
Uma conta simples mostra que, mesmo com crescimento de 2% ao ano, ritmo nada impressionante, ao fim de 4-5 anos as despesas encolheriam algo como 2% do PIB. Caso a economia se expanda 3% ao ano, a queda se tornaria um tanto mais expressiva, da ordem de 2,5% do PIB no mesmo horizonte. Seria, face ao desastre recente, um desenvolvimento para ser saudado de pé, com hino nacional, hasteamento de bandeira e, se possível, fogos de artifício.
Isto dito (e sou, claro, favorável à medida), me questiono se seria também o caso de inscrever o teto de despesas na Constituição. Sei bem que, do ponto de vista jurídico, não há alternativa: se fosse criado, por exemplo, por lei ordinária (ou mesmo complementar), esse mecanismo não teria força para se contrapor à expansão persistente do gasto, decorrente do texto constitucional.
No entanto, seguimos no sentido de tornar nossas regras cada vez mais rígidas. Em vez de dar mais graus de liberdade à política econômica, trocaríamos uma camisa de força, que eu acredito problemática, por outra, que julgo acertada, mas, de todo modo, camisas de força em ambos os casos.
Há, é bom dizer, situações em que camisas de força são a melhor alternativa (e não me refiro apenas ao tratamento reservado aos expoentes do keynesianismo de quermesse). Talvez nas atuais circunstâncias seja mesmo o mais apropriado a fazer, mas será que continuaria adequado, digamos, dez anos à frente?
Grande parte de nossos problemas fiscais decorre precisamente de talhar em pedra regras com base numa visão míope de questões pertinentes num certo momento, mas que deixariam de sê-lo depois. Prioridades em 1988, quando mais de um terço da população tinha menos do que 14 anos, e apenas 2%, mais do que 70, são diferentes de agora, quando os menores de 14 representam menos de um quarto da população e a proporção de idosos dobrou para 4%.
Hoje a solução pragmática é o teto constitucional, mas algo me diz que, se adotado, teremos que voltar ao tema num futuro não tão distante. A remoção de todas as vinculações da Constituição deveria ser a nova prioridade.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 8 de junho de 2016.
No Comment! Be the first one.