A federação brasileira virou uma grande mentira. A insuportável concentração arrecadatória nas mãos de ferro do poder central colocou os estados e os municípios nos currais e nas senzalas, reservando a casa-grande para a majestade presidencial e seus amigos de ocasião. Ora, algo deve estar muito mal no Brasil, pois, se estivesse bem e saudável, o Rio Grande do Sul, por exemplo, não estaria na atual situação pré-falimentar. Dia após dia, o quadro vai se agravando e as casas do Congresso Nacional se mostram absolutamente inertes e silentes frente à gritante injustiça federativa que vigora neste país. Até quando, portanto, o dever da palavra ficará calado na consciência daqueles que têm a obrigação de falar?
Enquanto as respostas não chegam, o que estamos a assistir no Brasil é o colapso de um gangrenado sistema de poder. A reconciliação pacífica entre a cidadania ativa e a política responsável constitui uma condição absolutamente fundamental para o sucesso da experiência democrática. Afinal, se não existe democracia sem povo, também não há bom governo sem o exercício da boa política. Nesse delicado momento de transição, temos de agir à luz das melhores tradições parlamentares brasileiras, colocando de forma clara, corajosa e categórica as mazelas institucionais que afundam este país no caos da burocracia, da ineficiência e da corrupção.
Objetivamente, a crise fiscal é mais um sintoma da embolia federativa atual. Se a União não fosse tão rica, larga e arrogante, teria tido mais responsabilidade na administração do dinheiro do povo. É sabido e ressabido que a verdadeira federação se ergue na força dos municípios e dos estados, perto dos olhos do cidadão, com melhores e mais ágeis mecanismos de controle. Como está não dá mais para ficar. As distorções são cada vez mais acintosas e evidentes, realçando que a concentração de poder em Brasília apenas serviu para o apequenamento das estruturas estaduais e municipais em prol de uma máquina federal obesa, lerda e incompetente.
Sem cortinas, jamais conseguiremos eficiência administrativa com o atual modelo de repartição federativa. A hipertrofia política e fiscal do poder central é, aliás, uma das principais causas deste modelo profano de presidencialismo de coalizão que vigora no país. Em completo abandono ao espírito público superior, empregos públicos e cargos de confiança viraram uma fútil moeda de troca para o apoio político venal e arrecadação do dízimo partidário. Quando se deveria olhar para as inadiáveis necessidades individuais, coletivas e sociais da nação, nossos políticos apenas estão preocupados em manter estruturas parasitárias de perpetuação do descrédito institucionalizado.
Derradeiramente, o Brasil não pode mais seguir capitaneado pelo amadorismo na gestão pública. As complexidades do mundo moderno não mais aceitam anacrônicos governos simplórios. A inovação tecnológica proporcionou à humanidade a possibilidade de fazer mais com muito menos. A questão é de produtividade, mérito e competência administrativa. Acontece que, paradoxalmente, a máquina política brasileira só cresce, mas os serviços públicos seguem decadentes. Ou seja, nosso sistema ainda cava raízes no patrimonialismo estatal sugador que explora o bem público para a satisfação material dos donos do poder e seus amigos. Somos vítimas de um neocolonialismo exploratório que usurpa as riquezas do povo para a manutenção de majestáticos na metrópole política. Por tudo, enquanto a federação for uma mentira, nossa democracia será uma comédia.
Seria engraçado se não fosse triste.
Fonte: “Gazeta do povo”, 15 de junho de 2016.
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