Os índices de confiança de empresários dos vários setores da economia e de consumidores pararam de cair e ensaiam uma recuperação. Como esses índices são indicadores antecedentes do comportamento futuro da economia (reversões de ciclo nos índices de confiança antecedem as reversões nos indicadores de atividade), há razões para um sentimento de alívio. Mas convém uma certa dose de cautela. O que esses índices sinalizam é que os indicadores de atividade irão nos próximos meses apresentar quedas anuais decrescentes, e não que a volta do crescimento está garantida. Serão necessários mais ingredientes para efetiva retomada da atividade.
Os sinais de inflexão da confiança estão presentes principalmente na componente Expectativas. A política importa. Os sinais vindos do mundo da política são mais positivos em relação ao passado, ainda que com tropeços e alguns equívocos. O governo demonstra ter maior habilidade política e parece compreender o desafio de “arrumar” a economia, o que requer reformas estruturais para reequilibrar as contas públicas no futuro próximo. Não se trata de uma agenda econômica de ministro da Fazenda, como na era Dilma, mas sim de governo.
A componente Situação Atual aponta um quadro estável, refletindo os sinais de que a economia está batendo no “fundo do poço”. A dura contração da atividade econômica em 2015 levou consumidores e empresas a cortarem custos e despesas e a ajustarem planos de consumo, produção e investimento à dura realidade da economia. Os sinais são de conclusão deste ciclo de ajuste, incluindo o ajuste de estoques. Paralelamente, é importante considerar o papel da depreciação cambial, que, ainda que tenha caráter contracionista em um primeiro momento, com o tempo (passado mais ou menos 1 ano) ajuda a melhorar a competitividade da produção doméstica. Não por outra razão a indústria começa a substituir algumas importações.
O quadro é, no entanto, frágil, pois estamos falando de agentes econômicos apenas menos pessimistas. O paciente continua na UTI, ainda que com o quadro mais construtivo.
Como já discutido neste espaço, os mercados de crédito e de trabalho são elementos-chave para determinar a volta da economia. Sua estabilização será a prova concreta de que a confiança, de fato, está voltando. Mesmo sendo mercados que reagem com defasagem ao ciclo econômico (não são indicadores antecedentes), sua dinâmica poderá influenciar particularmente a capacidade de reação da economia. A crise econômica e política do país machucou a confiança dos agentes econômicos de forma inédita e agravou o ajuste desses mercados, principalmente o de crédito. Com isso, ampliou-se a contração da economia e o sacrifício da sociedade.
A crise atual, sem precedentes, tem sido caracterizada por dificuldades financeiras do setor produtivo e de consumidores. Indicadores de pedidos de recuperação judicial subiram de forma expressiva (95% no acumulado do ano até maio ante mesmo período do ano passado) e as dívidas bancárias em atraso como proporção ao faturamento de empresas e à renda anual dos indivíduos estão em patamares recordes.
Paralelamente, o crédito sumiu como reflexo de um país que ficou mais pobre e, portanto, com menor capacidade de alavancagem financeira. A volta do crédito será essencial para que empresas e consumidores consigam renegociar dívidas e equilibrar suas finanças. Sem isso, não há como a economia se reerguer rapidamente como em momentos passados.
Por ora, não há sinais de acomodação no mercado de crédito. A confiança ainda não chegou lá. Pelo contrário, os últimos dados, referentes a maio, mostram novas quedas nas concessões, que atingiram patamares recordes de baixa (em termos reais) para pessoa jurídica na série que começou em 2001. Para pessoa física, o patamar atual se compara com o de meados de 2007. Quadro menos agudo, mas um grande retrocesso.
A falta de crédito agrava o quadro de inadimplência. Sem crédito, mesmo empresas com problemas apenas de liquidez passam a sacrificar seus negócios, por exemplo demitindo. Assim, se os bancos não estiverem confiantes na capacidade do governo de conduzir reformas e, portanto, se se mantiverem conservadores, preferindo, como de costume, aguardar a queda da inadimplência para então começarem a flexibilizar a oferta de crédito, a volta da economia será mais lenta.
O mercado de trabalho é outro elemento que distingue a crise atual, pelas demissões mais expressivas, inclusive de chefes de família. Pela avaliação de indicadores de produtividade do trabalho (razão entre produção e ocupação), haveria mais demissões por vir. O ajuste do mercado de trabalho, como o esperado, ainda não se completou.
Em maio, o número de pessoas ocupadas ficou praticamente estável em relação a abril, descontando o padrão sazonal. Mas isso ocorreu principalmente por conta do aumento do emprego sem carteira. Há uma precarização no mercado de trabalho. As demissões de trabalhadores com carteira no setor privado seguiram em queda, conforme dados do IBGE e do Caged. O máximo que se pode dizer é que a indústria, que foi, junto com a construção civil, o primeiro setor a iniciar o ciclo de demissões, dá sinais de alguma moderação no corte de vagas.
Se os sinais de estabilização nesses mercados demorarem a aparecer, isso será evidência de que a confiança não está de fato voltando, dificultando a recuperação cíclica da economia.
Com sinalizações consistentes de política econômica, bancos e empregadores poderão dar o benefício da dúvida ao governo, em vez de aguardarem sinais concretos de recuperação da economia para então flexibilizar o crédito e interromper demissões. Esses são ingredientes centrais no momento, dada a peculiaridade da crise econômica.
Temer terá que convencer os agentes econômicos que o país está no caminho certo, e a passos largos. Não há muito espaço para erros. E não é o Banco Central que salvará a lavoura, especialmente se o mercado julgar que o BC queimou etapas para antecipar o corte de juros.
Esta crise não é uma crise qualquer. É para profissionais.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 30 de junho de 2016.
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