A economista Ana Carla Abrão Costa entrou neste ano na maior briga de sua vida. Como secretária de Fazenda de Goiás desde janeiro, ela é uma das faces públicas da venda da Celg, distribuidora de energia no Estado, marcada para agosto, e de uma iniciativa que poderá resultar em outras privatizações e parcerias com o setor privado. Trata-se de um programa para avaliar todos os ativos do governo goiano, a ser anunciado na segunda-feira, dia 4. “Não haverá nenhuma vaca sagrada, nenhum ativo estatal que não esteja sujeito a transferência para a iniciativa privada”, diz Ana Carla. Privatizar, no Brasil, é uma ideia sob ataque da direita velha, da esquerda velha, de populistas em geral e de funcionários públicos apegados a comodidades do cargo – uma turba poderosa. Ana Carla, doutora pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), mergulhou no debate. E explica, com lógica impecável, por que privatizar beneficia o cidadão.
Época – O governo federal vem incentivando os Estados a privatizar. Críticos da ideia dizem ser ruim tentar vender estatais agora. Por que vender, mesmo na crise?
Ana Carla Abrão Costa – Eu vim da iniciativa privada, entrei no setor público em janeiro. Então, de um ponto de vista não ideológico, e sim conceitual e baseado na experiência, faço uma constatação: o Estado é mau empresário. Quanto maior, mais oportunidade ele abre para a ineficiência. Isso sem mencionar a corrupção, cujos efeitos vêm emergindo nos últimos tempos. Um dos grandes problemas dos Estados brasileiros é a máquina administrativa estar crescendo de forma inexorável. Então, privatização entra agora (no debate) porque os governos estão maiores do que as receitas. Precisamos enxugar, precisamos ter governos menores. Um Estado menor é a única forma de ter um Estado mais eficiente. O modelo atual de governo é fadado ao inchaço. Só há incentivo a contratar mais. A estabilidade do emprego no setor público se tornou uma blindagem contra mudanças. Entendo a estabilidade para carreiras de Estado – auditor fiscal, delegado de polícia. Mas não entendo por que a assistente tem estabilidade, o motorista tem estabilidade. Hoje, é praticamente impossível demitir um funcionário público. O incentivo para ele trabalhar e ser mais produtivo é baixo. Então, se você precisa fazer algo, tem de contratar mais gente. Isso faz com que a máquina pública só cresça, de forma completamente descolada da eficiência, da produtividade, do bom serviço. Por isso vejo privatização, em primeiro lugar, como forma de resolver problemas de um modelo fadado à ineficiência.
Época – E a questão de ser um momento ruim?
Ana Carla – Ok, do ponto de vista econômico, vender agora é pior do que vender num momento em que o país está florescendo, em que o investidor estrangeiro olha para o Brasil como uma grande oportunidade, como há alguns anos. Sim, tivemos momentos melhores que o atual. Mas também tivemos momentos piores. Hoje, já há alguns sinais um pouco melhores na situação, de alguma estabilização, após a deterioração econômica que vivemos nos últimos 18 meses. Pode não ser o melhor momento, mas qual é a alternativa? Continuar com o Estado inchado e esperar esse melhor momento chegar? Talvez esse momento não chegue enquanto não virarmos a página, não nos tornarmos mais eficientes, não sairmos da crise. E para sair da crise temos de diminuir o tamanho do Estado, reduzir o gasto público. Não é o momento ideal, mas nunca chegaremos ao momento ideal se não destravarmos isso. Temos de quebrar esse ciclo, e a agenda de privatizações é a ferramenta.
Época – Fala-se há tempos em privatizar a Celg. Isso vai mesmo ocorrer em agosto?
Ana Carla – O governo goiano é minoritário na companhia, o controle é da Eletrobras. Passamos um ano e meio insistindo na privatização. Mas ali havia uma questão ideológica, definitivamente. Mesmo que a presidente da República tivesse tomado a decisão de privatizar a empresa, a estrutura (no governo federal) trabalhava contra. Foram sendo colocadas dificuldades ao longo de 18 meses, num processo que não andava, que foi empurrado.
Época – O que a senhora quer dizer com “estrutura”? Quais órgãos do governo federal?
Ana Carla – Todos. O processo de privatização de uma empresa importante como a Celg, com controle do governo federal, tem de passar por Tribunal de Contas da União, Ministério de Minas e Energia, Eletrobras, Casa Civil, Ministério da Fazenda… Se há nessas estruturas uma posição ideológica contrária à privatização, você tem mais dificuldade do que numa situação como a que estamos hoje, em que a privatização é agenda do governo federal. O presidente interino Michel Temer assumiu isso no discurso dele no primeiro dia, ao usar a palavra “privatização”. O governo (de Dilma Rousseff) tinha constrangimento de usar a palavra. A Celg acabou não sendo privatizada porque, no apagar das luzes (quando se aproximava o dia da votação do afastamento de Dilma), o governo federal segurou a publicação do edital. Havia pressão de movimentos sociais, pressão política. A presidente provavelmente olhou e pensou: “Não é a hora de eu abrir mão dos poucos apoios que ainda tenho”. Uma privatização tem de andar em vários órgãos para acontecer. No caso do presidente Temer, o processo está andando muito rapidamente, porque há uma decisão de que esse é o caminho para sair da crise. Temos um ativo bom, atraente e pronto para ser privatizado. Destravamos o processo todo.
Época – Por que a senhora acha que críticas a privatizações ainda têm apelo popular?
Ana Carla – Há um tanto de desconhecimento do que significa privatização. Já ouvi coisas do tipo “vão levar a Celg de Goiás, vamos perder a Celg”. Explico sempre que a Celg continuará goiana, vai prestar serviços e pagar impostos em Goiás, vai contribuir ainda mais com o desenvolvimento do Estado. Percebo nas redes sociais, um bom termômetro das posições, grupos com posições ideológicas muito fortes. Identificam privatização com dilapidação do patrimônio público. Com eles, é muito difícil atuar, por mais que se argumente. A ideologia ajuda a ampliar o desconhecimento. Um terceiro ponto é que empresas privatizadas, como as de telecomunicações, têm volume muito grande de reclamações. O cidadão ainda pensa “vai privatizar, a empresa vai prestar um serviço péssimo e cobrar muito caro”. O cidadão desconhece que o Estado continua a poder agir, que há agências reguladoras, que a empresa tem de cumprir padrões de qualidade. Nas telecomunicações, as pessoas não comparam o que têm hoje com o que tinham no passado. Não percebem quanto houve de investimento, quanto o serviço melhorou. Têm de pensar em como era o serviço e como melhorou, após a privatização do sistema Telebras. Você sempre pode dizer que falta isso, falta aquilo, mas num outro nível de qualidade de serviço. É um processo de convencimento. Haverá agora uma solenidade (marcada para 4 de julho) de lançamento do Programa de Desmobilização de Ativos do Estado de Goiás. Todos os ativos do Estado passarão por avaliação. Não haverá nenhuma vaca sagrada, nenhum ativo estatal que não esteja sujeito a transferência para a iniciativa privada – o terreno do autódromo, o Centro de Excelência do Esporte, com o Estádio Olímpico novinho, o estádio de futebol (Serra Dourada). Falei com o governador sobre essa ideia no final do ano passado, ele gostou. Isso está gerando uma comoção. Mexe com a opinião pública. Além disso, provoca uma reação interna no governo.
Época – Que reação é essa?
Ana Carla – Para todo mundo que está hoje sentado num cargo público, numa empresa estatal, isso (o processo de privatização) gera um desconforto. “Espera aí, vai avaliar aqui o lugar onde trabalho? Vai vender a empresa de que eu sou presidente?” Você começa a mexer nas estruturas e as reações começam a vir de toda parte. Um grande problema nos governos estaduais para fazer privatização e desmobilização é que eles não têm braços para fazer isso. A Maria Silvia (Bastos Marques, presidente do BNDES) entra agora nesse ponto com muita importância. O BNDES vai dar apoio técnico aos Estados nesse processo. Porque se você só contar com a estrutura do governo estadual, com desgaste político, resistência dentro do próprio governo, das pessoas que não querem perder suas atribuições… se não houver um ente de fora, com uma equipe técnica que dê foco, é muito dfícil avançar. Pelo que a Maria Silvia me falou, pelo que a (secretária do Tesouro Nacional) Ana Paula Vescovi me disse numa reunião de governadores, o BNDES vai fazer isso. Hoje, a gestão e manutenção das rodovias de Goiás está numa agência de obras. Que incentivo uma agência de obras do Estado de Goiás tem para licitar as rodovias? Nenhum. Significa que ela vai perder funções daqui a pouco.
Fonte: Época.
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