Houve um tempo em que os telefones eram usados como uma ferramenta utilíssima pelos criminosos, e não havia possibilidade de as ligações serem grampeadas. Nem por isso se pensou em proibir o telefone. Nem por facilitar o planejamento e execução de assaltos a diligências o telégrafo foi proibido por algum juiz do Velho Oeste.
Os juízes de Teresina, de Lagarto e de Duque de Caxias tinham as melhores intenções, quebrar o sigilo de suspeitos de pedofilia e tráfico de drogas. Mas só conseguiram punir cem milhões de inocentes que precisam tocar suas vidas e seus negócios com um aplicativo simples e eficiente, em que podem se comunicar com segurança e privacidade — e de graça.
O que faz o sucesso do WhatsApp é justamente uma criptografia que não pode ser quebrada nem pela empresa que a criou, só quem recebe a mensagem pode decodificá-la. Isso protege os segredos e as operações das empresas da ação de concorrentes, protege a privacidade dos cidadãos contra a espionagem dos governos, como a NSA americana e todos os serviços secretos do mundo.
É um avanço para a liberdade individual e uma ameaça para a segurança coletiva. O que é pior: liberdade sem segurança ou segurança sem liberdade? A escolha é nossa, a marcha da tecnologia não para.
O ministro Lewandowski deu uma liminar para o aplicativo voltar ao ar em nome da liberdade de expressão, mas a questão é sobre o direito à privacidade.
Ainda é grande a ignorância digital. David Cameron queria proibir no Reino Unido qualquer aplicativo que não pudesse ter seus códigos quebrados pelos serviços de segurança e foi ridicularizado.
Uma juíza brasileira quer obrigar o WhatsApp a desenvolver uma ferramenta que possa quebrar os seus códigos, sob pena de não poder funcionar no Brasil — só no resto do mundo. O Telegram e os outros aplicativos agradeceriam. Há muitos com servidores no exterior e fora do alcance da lei brasileira.
Como na clássica piada, tirar o WhatsApp do ar é como tirar o sofá da sala de todos os brasileiros porque alguns bandidos o usam para cometer suas traições contra a sociedade. Logo eles conseguirão outros sofás digitais.
Fonte: O Globo, 22/07/2016.
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