A censura vai ficando para trás, como uma herança incômoda dos tempos da Monarquia que se projetou na República e acabou se revelando em um atavismo constrangedor.
Hoje, o que está em questão, são os diferentes conceitos de liberdade que dividem as sociedades democráticas das não democráticas e exigem que se chegue ao consenso, com mediação da lei, sob pena de haver uma guerra de todos contra todos, sem que ninguém se entenda. Na realidade, o conflito já começou e seu recrudescimento põe, em todo o mundo, a liberdade de imprensa e expressão sob ameaça.
Vejamos alguns exemplos recentes. O candidato republicano Donald Trump vem sendo duramente criticado pelo Washington Post por causa das suas idiossincrasias contra imigrantes, o aborto e minorias. Resultado, Trump sentiu-se no direito de cassar as credenciais do jornal para cobrir sua campanha e pôs o nome dos seus jornalistas em uma “lista negra”. É claro que não adiantou. Os repórteres passaram a frequentar seus comícios com bilhetes de admissão geral e continuam a fazer matérias críticas. Mas a proibição tem sentido simbólico e demonstra que o candidato não está preocupado com o que acontece a sua volta e que se sente livre para fazer o que der na cabeça. Pouco importa o que acontecer. Esse é um comportamento que se torna cada vez mais comum, apesar das consequências.
Outro exemplo, este no Brasil. Magistrados e promotores do Ministério Público do Paraná que tiveram seus honorários divulgados pela Gazeta do Povo de Curitiba resolveram processar os jornalistas. Os dados eram públicos e serviram de base para o jornal mostrar que havia ganhos que ultrapassavam o teto do funcionalismo público. Os magistrados e promotores argumentam que auxílios, indenizações e pagamento retroativos não contam no salário.
Não seria nada de anormal se tivessem vindo a público dar explicações ou concentrado sua reação à notícia em um único processo jurídico, exercendo o legítimo direito que todo cidadão tem de protestar quando se sente ofendido por uma matéria ou artigo jornalístico. Mas, no caso em questão, houve pelo menos 37 ações individuais contra o jornal e seus profissionais. Em pelo menos 15 cidades diferentes e mais de R$ 1,3 milhão em pedidos de indenização. Isto obriga os jornalistas a percorrerem mais de seis mil quilômetros para prestar depoimentos, sob pena de condenação à revelia, o que caracteriza assédio jurídico. O drama está longe de acabar já que os juízes citados nas reportagens têm, pela lei, até três anos para acionar os repórteres na Justiça. O problema ganhou dimensões internacionais. Não seria melhor conversar e evitar o desgaste do confronto?
Há outros problemas graves, como a crescente onda de intolerância, que ao ameaçar frontalmente a liberdade, ameaça também os espaços públicos. Testemunha disso foi o assassinato em massa em uma boate gay Pulse, em Orlando, nos Estados Unidos. Morreram 50 pessoas e mais de meia centena ficaram feridas. Tudo provocado por uma única pessoa. Em nome de quê? Da intolerância que grassa, também, entre nós na forma da homofobia, racismo, discriminação religiosa e política, dos grupos de extermínio e o machismo dos estupros e agressões, verbais ou não, contra a mulher. Estamos voltando ao passado, com novas tentativas de restrições aos direitos civis e o renascimento das manifestações pelos mesmos direitos. Não por acaso O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, a bíblia feminista dos anos 1960, está sendo reeditada no País. É um forte indicio do renascimento do tema e com razão.
O que é preciso fazer? Pregar a tolerância. Mostrar, por diferentes meios, que somos iguais e que o diálogo é a melhor forma de superar os impasses. A justiça é a melhor mediadora para os conflitos. Não a violência. Não a judicialização. Não ao confronto. A mídia também tem grande papel a exercer, pregando o não conflito e valorizando o entendimento. Vivemos em uma democracia e o melhor meio para construir a convergência, a tolerância, e o respeito ao outro, é o diálogo. Se não for assim, não chegaremos a lugar nenhum, salvo ao individualismo e ao distanciamento da realidade. O que não interessa a ninguém, muito menos ao processo democrático.
Fonte: Instituto Palavra Aberta.
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