Ao longo das últimas legislaturas, os partidos políticos e o Congresso Nacional têm falhado na atuação sobre diversos temas de interesse da sociedade. Em especial, após muito se debater sobre a necessidade de uma reforma política, as mudanças aprovadas em 2015 – e que começaram a valer nas eleições municipais deste ano – foram tímidas, e mais beneficiaram a classe política do que atacaram de frente os graves problemas de representatividade enfrentados pelo sistema político brasileiro. Em parte por esse vácuo deixado pelo legislativo, o judiciário tem frequentemente entrado como ator no cenário político, de modo a interpretar determinadas regras – e, consequentemente, mudando o status quo – sem que, entretanto, um novo enquadramento normativo tenha sido desenhado de forma coerente via projeto de lei.
Foi o caso recente da questão relativa ao financiamento de campanhas. Em meio às discussões e votações da reforma política, o STF decidiu que as doações de campanha feitas por empresas eram inconstitucionais. A decisão, por princípio, atendeu à um pressuposto democrático básico e correto de que pessoas jurídicas, por não serem cidadãs e não terem direito à voto, também não deveriam ter o direito de exercer influência sobre o processo político mediante doações à partidos e candidatos. Além disso, tal proibição ainda teria o benefício de diminuir a influência do dinheiro nas campanhas, ajudando a limitar um ciclo perverso em que esse financiamento dos partidos era retribuído mediante o favorecimento econômico dos grandes doadores.
Ainda que respaldado por boas intenções, decisões do judiciário não são propostas de legislação que (ao menos idealmente) são desenhadas de forma a manter uma certa coerência, evitando também efeitos secundários adversos. Decisões do Supremo são interpretações que abarcam pontos específicos, mas que não alcançam a complexidade expressa nas regras combinadas do sistema político. Por isso, correm o risco de não produzirem os efeitos desejados.
Um dos problemas do atual sistema político brasileiro é o custo excessivamente alto das campanhas eleitorais. Além dos custos inflacionados do marketing eleitoral, nosso sistema eleitoral de voto proporcional em lista aberta aumenta em muito o quanto é necessário para se eleger um representante. Com esse sistema, candidatos de um mesmo partido competem entre si, além de terem que disputar votos em uma circunscrição maior, seja o Estado (no caso dos deputados federais e estaduais), seja no município (no caso dos vereadores).
A decisão do STF poderia ter sido o catalizador de uma reforma na legislação que resolvesse de vez a questão do financiamento das campanhas, reduzindo os custos reais de forma a tornar realista a expectativa de que somente dinheiro do fundo partidário e de doações de pessoas físicas fossem suficientes para custear as campanhas. Ao invés disso, a opção foi uma tentativa frustrada de aprovar uma emenda que permitisse a legalidade da doação empresarial, mas que foi vetada (e teve o veto confirmado), com o temor de novas contestações judiciais.
Com a oportunidade perdida, as eleições municipais de 2016 passaram a ser alvo de mais incertezas. Boa parte da sociedade teme que o fluxo de dinheiro necessário para cobrir os altos gastos engorde ainda mais o dinheiro destinado ao caixa 2 das campanhas, não só tornando ineficaz a decisão do Supremo, como também diminuindo a parte do financiamento que é feita de forma mais transparente. Por parte dos partidos e candidatos, o temor é que falte dinheiro para as campanhas, já que o fundo partidário não é suficiente e haverá dificuldade de conseguir recursos junto a pessoas físicas. A possibilidade da falta de dinheiro é real. Empresas proibidas de doar legalmente também dificilmente arriscarão doar via caixa 2, em um ambiente em que a operação Lava a Jato vem cada vez mais trazendo esse tipo de prática à tona. Por parte do judiciário – haja vista declarações recentes do Presidente do TSE, o Ministro Gilmar Mendes – o temor é que possa haver financiamento ilegal por facções do crime organizado.
Com a oportunidade perdida de sanar deficiências de nosso sistema político, as potenciais dificuldades que surgirão nas eleições deste ano poderão forçar novas mudanças para o pleito de 2018. Resta saber como o Congresso vai agir.
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