A crise dos estados não é novidade. Além da atual, ocorreram outras, em 1984, 1987 e 1997. Todas nasceram de aumento temporário de recursos, que virou gasto permanente. O risco moral existe: governadores gastam mais confiando no socorro federal, caso algo dê errado. De fato, Brasília se rende ao risco de colapso dos serviços de saúde, segurança e educação. Sempre há um programa de resgate.
A primeira crise ocorreu com os governadores eleitos em 1982, por aumento de gastos. Leonel Brizola, do Rio de Janeiro, foi o primeiro a ver o caixa acabar. Sacou a descoberto no banco estadual, o Banerj, cujas reservas no Banco Central ficaram no vermelho.
Era motivo para intervir no banco. Com a conta congelada, o estado não poderia pagar seus compromissos. A consequência seria a intervenção federal para “reorganizar as finanças”, conforme a Constituição da época. Ocorre que o regime militar começava seu ocaso, e Brizola era um dos símbolos da resistência à ditadura. Tudo parou.
Outros governadores usaram o precedente para também sacar no seu banco estadual. Foi uma hemorragia. As dívidas foram negociadas, mas o problema reemergiu no início do governo Sarney, quando se criou regime especial para a intervenção nos bancos estaduais. A diretoria seria substituída, um interventor nomeado e as agências mantidas abertas.
A segunda crise veio em 1987, na esteira do sucesso passageiro do Plano Cruzado, que aumentou o consumo, a arrecadação estadual e os gastos. Depois do fracasso do plano, a crise se instalou. O governo federal concedeu empréstimos para aliviar a situação.
No Plano Real, de 1994, o padrão se repetiu. A partir de 1995, com problemas de caixa, vários estados lançaram títulos no mercado. Não resolveu. A crise aconteceu. Em 1997, o governo federal renegociou as dívidas, assumiu muitos dos compromissos dos estados e deu-lhes trinta anos para pagá-las. Os respectivos contratos foram aprovados pelas assembleias e as garantias, reforçadas. Os estados pagariam um porcentual das suas receitas e se obrigariam a privatizar empresas estatais. Ficaram proibidos de emitir títulos públicos.
Em 2002, a Lei de Responsabilidade Fiscal criou normas que incluíam limites para gastos de pessoal. Tudo parecia mais sólido. Pensava-se que novas crises seriam evitadas. Ledo engano. Com artifícios como a contabilização de despesas de pessoal em outras contas, a nova lei foi burlada.
Agora, a crise deriva da ação irresponsável da União. A Fazenda autorizou a elevação excessiva da dívida dos estados, o que acarretou novos gastos. A política econômica provocou recessão e derrubou as receitas estaduais. Incentivos fiscais exagerados reduziram a arrecadação do IPI, que é fonte de transferências para os estados. A corrupção na Petrobras afetou a cadeia produtiva do petróleo, prejudicando particularmente o Rio de Janeiro.
A renegociação de dívidas estaduais voltou. Exigiu-se que os estados aceitem a regra, a ser aplicada à União, de um teto global de gastos, bem como a privatização de empresas estatais. A crise pode ser aliviada, mas dificilmente o país se livrará de sua repetição, se nada mais for feito.
É preciso criar limites severos e incontornáveis a gastos estaduais e municipais. Seriam reformadas as regras que permitem a funcionários aposentar-se com apenas 45 anos.
Caberia ainda criar fortes restrições ao endividamento estadual e municipal. Em favor dos estados, seria revogada a vinculação de salários da Justiça estadual aos de juízes de tribunais superiores, o que interfere na autonomia estadual.
A força das corporações é maior nos estados. Governadores e parlamentares costumam ser constrangidos por passeatas e outros meios. Terminam concedendo aumentos salariais, reclassificação de cargos e outros benefícios que se transforam em crescimento vegetativo e permanente da folha. Por isso, as mudanças deveriam constar da Constituição federal.
Há exceções, mas a experiência diz que os estados são incontroláveis.
Fonte: “Veja”, 27 de julho de 2016.
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