A escola brasileira vem sendo objeto de um duplo ataque. De um lado, querem lhe limitar a liberdade. De outro, restringir suas receitas. Ambos os movimentos ferem o direito à educação, tal como estabelecido pela Constituição de 1988.
Três são as características essenciais desse direito. Em primeiro lugar, a Constituição transformou os jovens em titulares de um direito fundamental, impondo obrigações prevalentes ao Estado, à família e à própria sociedade.
Em segundo lugar, em plena sintonia com a Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, estabeleceu que o objetivo do direito à educação é propiciar o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Para isso, o ensino deve pautar-se pelos princípios da “liberdade de aprender e ensinar”, “pluralismo de ideias”, “garantia de qualidade”, entre outras coisas (artigo 205).
Nesse sentido, as tentativas de restringir a liberdade e o pluralismo no ensino, tais como propostas pelos que querem uma escola sem partido, são uma afronta à Constituição. Uma escola que tem entre suas finalidades a preparação para a cidadania precisa ser livre e plural. Se os professores não devem empregar a sua autoridade pedagógica para fazer proselitismo, também não podem ser impedidos de fomentar o debate e, quando necessário, expor suas ideias e interpretações sobre fenômenos históricos, obras literárias, concepções científicas ou mesmo eventos políticos.
A ideia de neutralidade acadêmica é uma falácia que normalmente encobre uma tentativa sub-reptícia de impor uma única visão “verdadeira” sobre o mundo. Os jovens têm o direito de saber o que pensam seus mestres, até para que possam se posicionar criticamente em relação as múltiplas visões por eles esposadas. Afinal, o direito à plena formação da personalidade significa assegurar a formação de seres autônomos, capazes de determinar suas próprias trajetórias.
Por fim, para que o direito à educação não se transformasse em uma promessa vazia, para que a escola pudesse vir a ter qualidade, a Constituição estabeleceu um terceiro elemento constitutivo do direito à educação, ao determinar que uma porcentagem mínima da arrecadação de impostos deveria ser obrigatoriamente destinada ao ensino. Trata-se de um mecanismo também voltado a dar concretude a outra cláusula constitucional (artigo 227) que determina que os direitos das crianças e adolescentes, entre eles o da educação, tenham “absoluta prioridade” sobre outros interesses, ainda que legítimos, de nossa sociedade.
Neste sentido, a proposta de um teto linear para as despesas públicas, ainda que possa ser um interesse defensável do governo num momento de crise econômica, não atende a obrigação constitucional de dar “absoluta prioridade” à educação de crianças e adolescentes. Imaginar que os recursos poupados na educação não serão imediatamente apropriados por setores mais poderosos é aderir ao “pensamento mágico” que os economistas tanto criticam.
Ao descumprirmos, como adultos, nossas obrigações morais e constitucionais de garantir um ensino plural e de qualidade, estaremos fatalmente comprometendo o futuro democrático e econômico das novas gerações.
Fonte: Folha de S.Paulo, 06/08/2016.
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