Vira e mexe, fala-se em “novo pacto federativo”. O tema volta à baila principalmente quando os estados quebram e o Tesouro os salva, como agora. Nas últimas décadas, o “pacto” representou meramente transferência de recursos da União para unidades da Federação.
O benefício serve essencialmente para aumentar gastos de pessoal. Sem poder transferir correspondentes encargos, a União compensa as perdas elevando impostos. A sociedade paga a conta, em especial os pobres, que contribuem proporcionalmente mais, dada a natureza regressiva do sistema tributário.
O federalismo brasileiro foi adotado na primeira Constituição da República, de 1891 para substituir o Estado unitário da monarquia. Decisão correta. Seria impossível gerir um país dessa dimensão e diversidade com a centralização típica de Portugal. A inspiração foi o federalismo americano, do qual copiamos até o título do país: República dos Estados Unidos do Brasil, hoje República Federativa do Brasil.
As províncias passaram a se chamar estados, como lá. Ficou, porém, a ideia de tudo esperar do governo central. Os americanos históricos, ao contrário, desconfiavam do poder central, o da Grã-Bretanha, contra a qual fizeram a Revolução da Independência (1775-1883).
A autonomia estadual é forte nos Estados Unidos. A nova nação se organizou como uma confederação de unidades autônomas, responsáveis por seus destinos, que cooperavam entre si. A federação veio com a Constituição de 1787. No início, foi preciso salvar os estados, à beira da falência por causa de dívidas acumuladas durante a guerra.
Desde então, diferentemente do Brasil, o governo federal americano não resgata estados. Em 1975, pediu-se ao presidente Gerald Ford que salvasse Nova York da falência. “Drop dead!” (virem-se!), teria sido a resposta. Ford negou a frase, que foi manchete do Daily News, mas não houve o salvamento. A cidade mobilizou a comunidade e se virou. O slogan “I Love New York” foi parte da campanha.
Aqui, entende-se federalismo como a transferência crescente de recursos da União para estados e municípios, com base no IPI e no imposto de renda. Até 1984, transferiam-se 20% desses impostos. Hoje, são 49%. Agora, reivindica-se transferir também as contribuições, que foram o caminho para compensar as perdas. Seria um desastre.
Esse modelo irracional chegou ao fim. Ele já se inviabilizara em 1988. Como diz o economista Fernando Rezende, a Constituição privilegiou, no campo fiscal, a convergência social, em lugar da regional. Os gastos sociais representam hoje dois terços do Orçamento federal. A União está exaurida. Em 2015, as despesas das quais não se livra (pessoal, Previdência, educação, saúde e juros) somaram 124% da receita! Políticos e economistas que defendem descentralização (de receitas, claro) deveriam buscar entender essa realidade.
Estados e municípios professam a cultura de grande parte da sociedade, isto é, a fé em um Estado que se supõe capaz de socorrer a todos: unidades da federação, empresas e pessoas. Acontece que agora é a União que deve ser salva do colapso fiscal: se nada for feito, ele virá com a trajetória explosiva da dívida pública.
Sem reformas para sanear as finanças públicas, em alguns anos a realidade se imporá. Se chegarmos à insolvência, não haverá calote federal, pois a União pode pagar com emissões de moeda. Usará a máquina de fabricar dinheiro e trará de volta a inflação galopante, minando as chances de prosperidade do país.
A federação, diz Rezende, perdeu o rumo. Um novo federalismo é necessário, mas não mediante uma nova e ruinosa redistribuição de receitas federais. Esse modelo faliu. Sua continuidade seria paga com o nosso bolso: mais dívida e mais tributação.
Aos milhares de prefeitos que se reúnem em Brasília todos os anos para morder mais um pouco dos recursos da União, há que dizer: “Drop dead!” Aos estados, cabe aconselhar e exigir reformas estruturais para que ponham suas despesas no limite das respectivas receitas, sob restrita capacidade de endividamento.
É preciso discutir a repartição de responsabilidades, as quais observariam a realidade e as demandas sustentáveis da sociedade. Esse é o novo federalismo; não o antigo.
Fonte: “Veja”, 10 de agosto de 2016.
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