*com Renato Fragelli
Neste momento em que o crescimento da dívida pública brasileira segue a um ritmo explosivo, é preciso resistir aos grupos de pressão organizados que se mobilizam para impedir a correção de rumos.
Ao longo dos últimos 25 anos, a despesa primária – que desconsidera os juros sobre a dívida pública e exclui as transferências para Estados e municípios – do governo federal cresceu de 11% do PIB em 1991, para 21% em 2015. Enquanto o valor real do PIB dobrou, o gasto primário total mais do que triplicou, tendo a parcela representada pelos gastos sociais mais do que quadruplicado. No mesmo período, para custear tamanho aumento de despesas, a carga tributária sofreu contínuo crescimento, passando de 25% do PIB para 35%.
O pacto político calcado no crescimento de gastos acompanhado por elevação de impostos ampliou a inclusão social, mas já atingiu seu limite, conforme demonstrou o colapso da economia precipitado pela desastrada gestão de Dilma Rousseff. A primeira medida de Michel Temer, após assumir o governo, foi expor à população a gravidade do problema: um déficit primário de R$ 160 bilhões, ou 2,5% do PIB. Enquanto a recessão derruba a arrecadação tributária, a despesa continua a crescer automaticamente devido às vinculações legais que corrigem os gastos pela inflação.
Por determinação constitucional, 18% da receita líquida da União são necessariamente destinados à educação. No caso da saúde, a vinculação está em 13,2%, mas crescerá até atingir 15% em 2020. Juntando-se a essas vinculações, outras despesas determinadas por imposição constitucional, como benefícios previdenciários e assistenciais corrigidos pela variação do salário mínimo, que por sua vez é corrigido pela inflação, chega-se à crítica situação atual em que a parcela incomprimível do gasto federal atinge 90% do total.
A teoria e a evidência empírica, conforme registrado diversas vezes neste espaço, mostram que, entre os principais fatores que explicam o atraso brasileiro, destaca-se a má qualidade da educação. Mas dessa constatação não decorre que a solução para o problema seja a vinculação automática de uma elevada fatia das receitas públicas a essa rubrica. Sem uma contínua avaliação de seus resultados, a vinculação de uma fatia da receita não garante uma boa educação. O mesmo vale para a saúde e demais rubricas aquinhoadas por vinculações.
No curto prazo, a verba garantida desestimula a busca por redução de custos. Por que cobrar mensalidade de universitários de renda alta, se há verba garantida? Nos anos de crescimento da arrecadação, a vinculação força um aumento do gasto que, numa eventual queda de arrecadação futura, não poderá ser facilmente reduzido. No longo prazo, a vinculação congela prioridades a uma realidade do passado. Por exemplo, diante de uma queda da taxa de natalidade, acompanhada de elevação da expectativa de vida da população, o natural é que gastos em medicina geriátrica ocupem espaço de despesas antes destinadas à educação de crianças.
A estratégia definida pelo novo governo para enfrentar o gigantesco problema fiscal baseia-se em um tripé de reformas constitucionais. A primeira, já em estágio avançado de tramitação, é a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União com alíquota elevada de 20% para 30%. Instrumento criado em 1994 para dar lastro fiscal ao Plano Real, a DRU permite que receitas vinculadas a fundos federais e a despesas específicas – como educação e saúde – sejam canalizadas para a geração de superávit primário. As diversas reedições da DRU por diferentes governos constituem um sintoma de que as vinculações orçamentárias previstas na Constituição precisam de uma renegociação política realista.
A segunda é a proposta de emenda constitucional PEC 241/16, que fixa o valor real dos gastos do governo federal do ano de 2016 como o limite superior para a despesa primária, por 20 anos, podendo ser revisto após dez anos. A terceira será a reforma da Previdência, até agora muito debatida, mas ainda não enviada ao Congresso. As três são complementares, pois no curto prazo o atendimento ao teto de gastos depende da aprovação da DRU e no longo prazo, da reforma da Previdência.
Os críticos do teto dos gastos argumentam que sua adoção reduziria os recursos em áreas de grande impacto social, como saúde e educação. Ocorre que o teto proposto somente congela o valor real da soma das despesas, sem definir onde haverá economia, podendo haver aumento em algumas rubricas, desde que haja redução equivalente em outras.
Em países democráticos a principal função dos parlamentares é alocar os recursos do Estado. A imensa vinculação de receitas é uma herança da hiperinflação, quando grupos organizados garantiram seu naco na arrecadação tributária. Tratar as vinculações atuais como se fossem cláusulas pétreas, equivale a tornar o parlamentar atual um político supérfluo, pois a alocação relevante de recursos permanece aquela definida por ex-parlamentares do passado. Os que condenam o teto proposto pressupõem que o Congresso Nacional seja incapaz de identificar quais são as prioridades dos atuais eleitores.
Há que se ressaltar, entretanto, que o sucesso das medidas defendidas acima dependerá da vontade política do atual governo. Os aumentos de salários aprovados nas últimas semanas, sem maiores reações do Executivo – e pior, com apoio de sua base política – não sinalizam ainda um claro compromisso com o equilíbrio fiscal.
Fonte: “Valor econômico”, 17 de agosto de 2016.
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