“Não invejo o cargo que o senhor ocupa. O senhor parece ter tantas responsabilidades e, em contrapartida, tão pouco poder. Sem dúvida alguma, o senhor – ou um de seus sucessores – terá, em breve, que adotar algumas medidas fiscais desagradáveis. Essas medidas poderão, certamente, ser retardadas por mais algum tempo, a expensas, contudo, da aceitação de custos cada vez maiores em termos da severidade dos ajustamentos que, mais cedo ou mais tarde terão que ser feitos. Seu cargo é hoje tão difícil porque os seus predecessores optaram por adiar a resolução desses problemas. A aritmética e os juros compostos conferem essa feição desagradável às opções que o senhor tem à sua frente. O senhor (ou um de seus sucessores) terá que levar a efeito pelo menos uma (e, provavelmente, mais de uma) destas medidas: redução drástica das compras governamentais, elevação drástica da carga tributária, ou não pagamento de parcela substancial da dívida governamental interna e externa.”
O parágrafo acima é a introdução de um artigo que considero fundamental na história do debate econômico brasileiro. No referido texto, publicado em 1986, o ilustre economista Thomas Sargent, agraciado com o Prêmio Nobel em 2011, nos presenteou com uma análise nítida e sintética sobre as escolhas que o país teria que fazer.
E qual foi o caminho efetivamente trilhado pelo Brasil? O nosso incessante desajuste fiscal nos conduziu a uma encruzilhada. Nos últimos trinta anos, a carga tributária passou de 24% para cerca de 34% do PIB. Essa elevação pronunciada das receitas foi acompanhada por movimento similar nas despesas primárias. O problema é que, se nada for feito, os gastos continuarão a avançar em ritmo acelerado, enquanto que as receitas provavelmente não apresentarão o mesmo comportamento. De fato, já estamos verificando o esgotamento desse processo de elevação sistemático da receita.
Vivemos sob um risco muito importante. É possível (e plausível) que, em algum momento, os investidores passem a questionar a capacidade do país em honrar os seus compromissos. Felizmente, a nova administração indicou ter o diagnóstico correto da situação. Através da proposta de criação de um limitador dos gastos (PEC 241/2016), esboçou a alteração do regime fiscal brasileiro. Outras medidas complementares de relevo vem sendo ventiladas por membros da equipe, tanto na questão da diminuição dos gastos, como também no que toca a elevação da produtividade e, consequentemente, do crescimento econômico (adequação previdenciária à realidade demográfica, inserção do Brasil no comércio internacional, simplificação tributária, etc).
Respondendo a pergunta levantada dois parágrafos acima, até o momento, apenas empurramos com a barriga. Conscientemente ou não, optamos por uma vereda de substancial aumento da carga tributária e de baixo crescimento. Conseguimos diminuir a inflação de preços para um nível tolerável (mas ainda acima do ideal), com um equilíbrio fiscal muito duvidoso, erguido sobre uma expressiva elevação da tributação. Esgotamos o processo de permanente crescimento da arrecadação. Agora precisaremos escolher uma perspectiva de despesas menores, calote explícito ou elevação sequencial e surpreendente da inflação, para níveis não vistos nas últimas duas décadas.
Desde a publicação da carta aberta de Thomas Sargent, em janeiro de 1986, observamos dezesseis ministros na Fazenda. Contando com diferentes graus de competência e poder político, alguns deles deram contribuições meritórias, outros trouxeram apenas desatinos e boas risadas. O fato é que nenhum deles conseguiu endereçar o nosso ininterrupto desajuste fiscal. Faço votos que o décimo-sétimo ministro encerre essa triste sequência e implemente seu plano decisivo e intertemporalmente consistente de adequação fiscal. A hora é agora.
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