A carta da presidente afastada, Dilma Rousseff, além de chegar fora do tempo – demorou demais -, revela pelos ditos e pelos não ditos a inconsistência de sua visão de democracia.
Ela insiste em falar em golpe em que pese o fato de que todo o processo e o rito do impeachment seguiu estritamente o que está previsto na Constituição. O equívoco sobre o conceito não é casual, e Dilma simplesmente ignora que, até agora, votaram pela admissibilidade e pela continuidade do processo a maioria dos membros da Câmara e do Senado, ou seja, os membros das instituições as quais cabe examinar o mérito dos crimes de responsabilidade e de abuso do poder de governantes como ela.
Ficaram contra ela a maioria dos parlamentares que faziam parte da coalizão de apoio do seu governo, e todo o processo foi convalidado pela suprema corte brasileira, isto é, o STF, inclusive por ministros nomeados por ela para aquela corte. Então, falar de golpe, além de ignorância conceitual, é pura retórica diante do revés político.
Mas Dilma vai mais longe e, na sua carta, ela sim se volta contra a Constituição ao propor como saída da crise – da qual ela é a principal responsável – eleições fora de época e um plebiscito sem fundamento. Há claramente nisso uma ideia de que a democracia, ao invés de funcionar de acordo com as regras e suas instituições, deveria se apoiar em um majoritarismo plebiscitário que é demagógico e irresponsável. A tese não se sustenta, e os equívocos ajudam a explicar a derrota que muito provavelmente ela vai sofrer dentro de alguns dias por ter abusado de seu poder.
Mas, ademais, ainda chamou a atenção na carta o fato de Dilma ter admitido, pela primeira vez, ter cometido erros ao governar, embora em nenhum momento ela enumere ou especifique esses erros e, por isso, a carta pode ser vista também como uma peça de manipulação da opinião pública.
Fonte: “Qualidade da democracia”, 25 de agosto de 2016.
No Comment! Be the first one.