Tem quase cem sinônimos: arame, bufunfa, cascalho, dindin, erário, fundos, grana, metal, níquel, pataca, pila, prata, tostões, tubos, verba e zinco, para citar só alguns. Tantas designações mostram sua importância.
Já o preço do dinheiro só tem um nome: juros, mas com mais de uma centena de significados. São expressos em taxas mensais ou anuais e calculados por dias úteis ou por dias corridos. Um ano de juros pode ter 252 dias (úteis), 360 dias (ano comercial) ou 365 dias (calendário corrido).
Ilustrando o ponto, uma taxa anunciada de 14% pode significar 11% se for uma aplicação (descontado imposto), como também mais de 381%, se for de uma linha de cheque especial. É confuso, o mesmo número representa valores bem diferentes.
É mais nebuloso ainda se for uma operação indexada. Além da multiplicidade de índices — CDI, Selic, TR, TJLP, IPCA, IGP-M e outros —, o cálculo é feito como uma porcentagem de sua variação ou como um acréscimo. A esse pandemônio de prazos e indexadores é preciso acrescentar as alíquotas tributárias, que variam de ativo para ativo. Não existe no mundo outra complexidade de juros como essa.
A taxa mais conhecida no Brasil é a Selic: ela é anual e vale para operações que têm um dia de prazo entre o Banco Central e os demais bancos. É famosa porque é a taxa que parametriza todas as demais. É fixada no Copom (Comitê de Política Monetária), com critérios transparentes, fundamentados em indicadores conjunturais, estimativas e considerações dos membros do comitê, que são registrados em atas e relatórios, objetivando previsibilidade.
O processo é conduzido pelo seu presidente, Ilan Goldfajn, que tem todas as qualificações para a função, o que já demonstrou no pouco espaço de tempo que está no cargo. Tudo indica que ele conseguirá levar a inflação à meta no ano que vem e reduzir os juros reais (isto é, os juros nominais menos a inflação), dos atuais 7% para 5%.
Isso representará um avanço, mas, se comparado a outros países, será um desempenho medíocre, continuará como um dos piores do mundo. Não é por limitação dele e de sua equipe, mas pela obsolescência do sistema. Fazendo uma analogia, é como colocar um dos melhores pilotos de Fórmula I da atualidade correndo com o carro com que Ayrton Senna foi campeão mundial pela última vez: vai perder feio.
As transformações em aerodinâmica, motores, materiais, freios, suspensão, pneus e componentes eletrônicos converteram o bólido vencedor de outrora numa carroça. A realidade nas pistas e no Sistema Financeiro Nacional mudou. No ano do tricampeonato de nosso herói, o IPCA aumentou 472,6%, com uma desvalorização do dólar de 528,4%, e, no mês em que ele foi campeão, a Selic ultrapassou marca dos 1000% anualizados, chegando aos 3000% ao ano no mês seguinte.
Nesse ambiente incerto, o desempenho do Sistema Financeiro Nacional também foi o melhor do mundo. Conseguiu manter a solidez dos bancos, preservar a moeda nacional e administrar a liquidez desenvolvendo uma rede sofisticada de abrangência continental. Naquele quadro, o conjunto de indexadores e taxas tinha um papel a desempenhar.
O foco da política monetária, na época, era a Selic. Quase todas as aplicações e financiamentos eram de um dia e os juros das diferentes modalidades tinham que ser balizadas na taxa básica. O tempo passou, o sistema registra avanços notáveis em tecnologia e nos critérios de fixação da Selic, mas no resto, apesar das transformações do país, continua como há 25 anos, cheio de remendos. O sistema financeiro tornou-se inadequado em alguns aspectos e é oneroso demais. O peso dos juros é crescente na dívida pública e a oferta de crédito é um empecilho — em vez de um propulsor — para o desenvolvimento.
O custo dos juros nos últimos doze meses dos setores privado e público foram respectivamente 10,2% e 7,5% do PIB, totalizando 17,7%, a quantia de R$ 1.062,8 bilhões. O destaque é que o país gastou muito mais em juros, nesse prazo, do que o déficit da Previdência de R$ 112,5 bilhões e do Tesouro, de R$ 32,4 bilhões, somados. Esbanja-se dinheiro em juros sem necessidade. Adequando-se a intermediação à realidade do país, gastar-se-ia menos e crescer-se-ia mais.
No lado das aplicações, a multiplicidade de indexadores e prazos curtos, da época da inflação alta, fazem com que o efeito renda da taxa Selic seja fraco, tirando potência à política monetária. Do lado dos financiamentos, a oferta é inadequada. Alguns números ilustram isso.
O crédito para pessoa física, que na época da inflação alta era um apêndice insignificante, atualmente é um vale-tudo. Pode se comprovar isso comparando as taxas mínimas e máximas de algumas modalidades: juro rotativo do cartão: de 30,7% até 1.142,9%; cheque especial: de 27,3% a 541,2%; e crédito pessoal não consignado: de 22,8% a 975,5%. Essa dinâmica abafa a força da política monetária e tem baixa serventia econômica.
Para empresas, o Banco Central informa que as taxas médias anuais de recursos livres equivalem a 30,4%, da conta garantida a 52,4%, do cheque especial a 320,9% e do juro rotativo do cartão de crédito a 342,9%. Correspondem a 40,4% das concessões e revelam a dificuldade que os gerentes financeiros de empresas têm para escolher linhas a taxas razoáveis.
O processo de precificação de crédito é dúbio. A Selic e a taxa de captação dos bancos estão estáveis há um ano. Mesmo assim, todos os juros de empréstimos subiram. As altas do cheque especial para pessoas física e jurídica superaram os 70% e a marca dos 300% ao ano. Projetar quedas expressivas no custo do crédito por reduções na taxa Selic é pensamento positivo, nada mais.
Resumindo, o preço do dinheiro no Brasil é caro e sua oferta tem baixa serventia, pressionando os custos das dívidas públicas e privadas. A modernização da intermediação em alguns aspectos traria ganhos para famílias, empresas, bancos, governos e o Brasil.
Fonte: “Valor econômico”, 8 de setembro de 2016.
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