Os coronéis inativos da PM e do Corpo de Bombeiros formam uma tropa que pesa nas contas do estado. Para cada oficial da patente trabalhando, há praticamente outros cinco desfrutando de uma aposentadoria privilegiada. São 1.045 aposentados — contra apenas 230 na ativa —, com salário médio de R$ 26,5 mil (teto do estado). Enquanto isso, a média salarial dos aposentados da PM e dos bombeiros é de cerca de R$ 8 mil. Sozinhos, esses coronéis consomem 11% dos R$ 276 milhões que o Rio gasta mensalmente com seus 31 mil inativos militares.
A conta que não fecha está na mira de uma reforma da previdência estadual, já em fase de elaboração, seguindo as mudanças planejadas em nível nacional. O rombo previdenciário do Rio este ano bate na casa dos R$ 12 bilhões. Se não for resolvido, pode, somado à queda na arrecadação, aprofundar a crise nas finanças públicas nos próximos anos.
Os privilégios dos coronéis são um dos vértices das graves distorções geradas pelas aposentadorias especiais, garantidas também a categorias como professores e policiais civis. Esses benefícios são recebidos por 74% dos 162 mil inativos fluminenses.
— Hoje, o estado aporta cerca de 70% dos seus recursos para cobrir a insuficiência financeira da previdência. Vai chegar um momento em que ficará difícil o governo suportar essa situação — diz o presidente do Rioprevidência, Reges Moisés dos Santos, argumentando que a mudança é urgente.
Lei permite promoção
O quadro crítico foi desenhado ao longo dos anos. No caso dos coronéis, uma das mais importantes contribuições foi dada em 2011, quando o então governador Sérgio Cabral sancionou a lei 5.919, que criava uma nova possibilidade. Embora os militares se aposentem com 30 anos de contribuição, os tenentes-coronéis que cumprissem 32 anos de serviço passaram a poder ir para a inatividade com uma promoção automática a coronel. Abriu-se a chance de o oficial ir para a reserva com a patente máxima, sem ter contribuído para tal.
Somente este ano, de um total de 33 coronéis da PM que passarão à reserva, 14, segundo levantamento feito no Diário Oficial do Estado, sequer chegaram a ter essa patente. Eles foram beneficiados pela lei de 2011.
Outra distorção, criada por duas mudanças no estatuto da PM, reduziu de oito para quatro anos o tempo máximo de um oficial no posto de coronel. Com isso, a aposentadoria é compulsória depois desse prazo para aqueles que já contribuíram por 30 anos. Por causa dessa regra, este ano já foram para a reserva dez coronéis, entre eles o ex-comandante-geral Ibis Silva Pereira, de 53, e Frederico Caldas, de 51, que já coordenou as UPPs e foi relações-públicas da PM. Hoje, a média de idade entre os coronéis inativos é de 52 anos, contra a média de 61 do restante dos servidores públicos estaduais.
O comandante-geral da PM, coronel Edison Duarte dos Santos Júnior, determinou a criação de uma comissão interna para discutir propostas para a reforma. Pela regra atual, os militares têm direito à reserva remunerada a partir de 30 anos de contribuição, sem piso de idade, levando para casa o soldo da vida ativa. Segundo o relações-públicas da corporação, coronel Oderlei Santos, entre os objetivos da comissão, está a revisão da “lei dos 32 anos”.
— Na carreira militar, a promoção é natural, proporcional e equilibrada, porque a hierarquia é piramidal. Essa lei dos 32 anos criou uma distorção. Na prática, ela alargou o topo da pirâmide.
Ainda de acordo com Oderlei, a “lei dos 32”, como é conhecida pela tropa, teve uma edição anterior, em 2002, mas acabou sendo declarada inconstitucional. Foi reeditada na gestão de Cabral.
— A norma foi criada em algum momento em que havia muitos tenentes-coronéis que permaneciam no quadro, mesmo com tempo para se aposentar. Agora, é preciso examinar o cenário atual, para verificar se a medida ainda é necessária ou se desequilibra o número de coronéis inativos — diz Oderlei.
“A profissão mais perigosa do mundo”
O oficial afirma que a maior preocupação do comando geral é que a sociedade compreenda a especificidade da profissão do PM, antes de compará-la à de outros servidores.
— O policial militar tem uma das profissões mais perigosas do mundo. Não tem horário certo de trabalho, pode ficar até um mês de prontidão e não ganha extra por isto. Não pode fazer greve, não tem Fundo de Garantia. E, quando completa 30 anos (de serviço), não se aposenta, vai para a reserva remunerada e pode ser reconvocado num prazo de até cinco anos. A reforma da previdência é necessária, mas também é importante que os benefícios assegurados sejam compatíveis com os deveres exigidos — defendeu, acrescentando que outra questão é o tempo de vida dos militares. — Na ativa, a média de idade para óbito do policial é de 39 anos, tamanho o risco da profissão. E o perigo não o abandona depois que ele se aposenta. A média de óbito do policial inativo é de 67 anos, enquanto para o restante dos trabalhadores é de cerca de 75.
Até agosto deste ano, a PM deu baixa em 1.325 policiais. Desse total, 90 morreram, 97 foram expulsos, 150 foram reformados (por invalidez) e 848 passaram para a reserva remunerada.
A situação dos bombeiros militares é bem parecida. Os tenentes-coronéis também contam com uma “lei dos 32 anos” e podem se aposentar com o soldo de coronel, mesmo que não tenham contribuído para ele.
Para o professor José Roberto Afonso, do Instituto Brasiliense de Direito Público e pesquisador da Fundação Getulio Vargas, o Rio tem uma difícil escolha pela frente:
— Não dá para cada um na ativa ter cinco aposentados. A população do Rio precisa decidir se paga mais imposto para sustentar essa situação ou se revê as aposentadorias. A crise fiscal estadual exige solução imediata. Não haverá futuro se não equacionamos o presente.
Presidente da Associação de Oficiais Militares do Rio de Janeiro, o coronel Fernando Belo afirma que as entidades de classe vão lutar pelos direitos dos policiais:
— Eu acho que é um desrespeito com o militar e um desconhecimento do que seja o serviço.
Fonte: O Globo.
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